Dedique 96 minutos na Netflix e deixe-se surpreender por um filme que vai reacender sua fé nos milagres Divulgação / Netflix

Dedique 96 minutos na Netflix e deixe-se surpreender por um filme que vai reacender sua fé nos milagres

Filmes que buscam despertar reflexões morais no público, convidando-o a extrair ensinamentos para sua própria vida, têm um apelo constante, mesmo que, no fundo, todos saibamos que as dores e desafios de cada pessoa são sentidos de forma única e individual. O sucesso de obras com essa premissa, no entanto, reside justamente na capacidade de transformar questões pessoais em verdades universais, capazes de transcender o óbvio e gerar identificações profundas. No caso de “Milagre Azul”, dirigido por Julio Quintana, o que talvez o diferencie seja a maneira inovadora com que o diretor utiliza elementos puramente visuais para elevar o realismo de uma história que, à primeira vista, não foge do lugar-comum. A fotografia, assinada por Santiago Benet Mari, explora com maestria uma paleta de tons azuis, que já é sugerida pelo próprio título, criando uma atmosfera ao mesmo tempo melancólica e suave. Esse recurso estético serve como um atrativo incomum para um filme onde as metáforas sobre liberdade, pertencimento, fracasso e superação se agitam com a intensidade do próprio oceano, especialmente a partir do segundo ato.

Se houvesse uma única palavra capaz de encapsular a essência de “Milagre Azul”, essa palavra seria “insinuante”. O roteiro, escrito por Quintana em parceria com Chris Dowling, roteirista de dramas cristãos como “Correndo por um Sonho” (2018) e “O Preço da Liberdade” (2016), não se preocupa em explicitar todos os detalhes, deixando muitas lacunas para que o espectador preencha com sua própria imaginação. Um exemplo disso são os antecedentes do coordenador da Casa Hogar, Papa Omar, vivido por Jimmy Gonzales. Ele é o responsável por gerenciar o orfanato com uma combinação de disciplina rigorosa e sensibilidade, em Cabo San Lucas, uma cidade com grande potencial turístico localizada no extremo sul da Baixa Califórnia, México. Ao lado de sua esposa, Becca, interpretada por Fernanda Urrejola, ele enfrenta o iminente fechamento da instituição se não conseguir levantar 117 mil dólares em duas semanas. Esse é o gatilho que impulsiona a narrativa e oferece a Quintana a oportunidade de jogar com os clichês presentes no filme, renovando-os de maneira habilidosa.

O foco da trama se desloca então para o Torneio Bisbee, uma das competições de pesca mais prestigiadas do mundo, que, devido a uma tempestade que bloqueou a maioria dos pescadores locais, passa por uma reestruturação inesperada. Sob a organização de Wayne e Tricia Bisbee, o torneio promete uma recompensa generosa para a equipe que capturar o maior e mais impressionante peixe, de preferência um marlin-azul, cuja espada fixa à cabeça garante uma foto memorável para a imprensa. É nesse contexto que Wade Malloy, vivido por Dennis Quaid, consegue entrar na competição, apesar de precisar de uma brecha no regulamento para participar. Essa pequena concessão, feita por Wayne, marca o início dos dilemas morais que permeiam o filme, embora o grande conflito ético seja reservado para os momentos finais da história.

Ao lado de Wade, embarcam Omar e três dos órfãos da Casa Hogar, entre eles Moco, um jovem aprendiz de delinquente interpretado por Miguel Angel García, que entrega uma das atuações mais cativantes do longa. O grupo tem três dias para pescar o marlin que pode transformar suas vidas — ou, pelo menos, dar uma nova chance a Wade, cujo passado repleto de tragédias pessoais o mantém preso em uma tristeza profunda. A ideia de que ele possa ter superado sua depressão parece difícil de acreditar, especialmente considerando a simplicidade da carta de Tweety, o mais jovem dos órfãos, interpretado por Steve Gutierrez, que parece, por si só, insuficiente para redimir o personagem de Quaid. No entanto, é nesse momento que o filme atinge seus picos emocionais, oferecendo cenas comoventes que, apesar de previsíveis, conseguem tocar o público de maneira genuína.

Embora o desfecho não surpreenda, “Milagre Azul” se sustenta na força de suas interpretações e na beleza estética que permeia toda a narrativa. A obra se constrói em torno de temas universais e apela para a sensibilidade do espectador, mesmo que, em alguns momentos, recorra a fórmulas já conhecidas. Ainda assim, é um filme que consegue emocionar, em grande parte devido à maneira com que suas metáforas visuais dialogam com o enredo, criando uma experiência cinematográfica envolvente, ainda que o destino final da história já seja bastante claro desde o princípio.


Filme: Milagre Azul
Direção: Julio Quintana
Ano: 2021
Gêneros: Drama
Nota: 8/10