Thriller de ficção científica é um dos melhores filmes da Netflix e também o mais subestimado Divulgação / Netflix

Thriller de ficção científica é um dos melhores filmes da Netflix e também o mais subestimado

Vivemos em um tempo onde a humanidade, frequentemente vista como a espécie mais infeliz da Terra, avança rapidamente rumo à sua própria irrelevância. Essa transformação negativa só atingiu a proporção que conhecemos devido ao descaso do ser humano com sua própria essência. A ganância desenfreada e a preguiça imbatível contribuíram para esse cenário desastroso. O filme “Paraíso” apresenta uma visão distópica e pré-apocalíptica que lança críticas afiadas e discretas sobre a maneira como nos afastamos de nossa verdadeira natureza. Ele explora a perda daquilo que nos define como seres racionais, emocionais e reflexivos, mostrando como nossas escolhas e concessões nos afastam do que é fundamental. A obra destaca nossa participação ativa em causas fúteis, revelando o paradoxo de nossa existência.

O diretor Boris Kunz faz o público sentir-se parte essencial de uma máquina intricada, movida por um recurso imaterial e cada vez mais cobiçado. Essa intangibilidade, paradoxalmente, alimenta o desejo insaciável dos indivíduos, provocando reflexões sobre valor e significado em um mundo onde a competição e a busca por controle prevalecem. Na obra de Kunz, essa preciosidade é acessível apenas àqueles que podem arcar com seu custo. Ela representa a linha tênue entre alegria e sofrimento, entre existir e deixar de existir. Este conceito desafia o espectador a questionar os limites do poder aquisitivo e suas implicações morais e existenciais.

Ambientado em uma Berlim futurista, o filme sugere que o envelhecimento pode ser evitado, mas apenas para aqueles que possuem recursos financeiros suficientes. O procedimento de rejuvenescimento depende de uma transação complexa, onde anos de vida são negociados, refletindo a desigualdade e a ética na exploração da vida humana. O roteiro, coescrito por Kunz e três outros escritores, cria um sentimento de inquietação ao substituir o termo “dinheiro” por “doação”.

Essa escolha linguística é a primeira de muitas ironias que permeiam o filme, revelando um jogo semântico que desnuda as motivações ocultas e as contradições sociais em torno do capital e da caridade. A ironia seguinte se revela de forma mais crua, abordando diretamente o poder do dinheiro. As sequências de DNA mais cobiçadas pelos ricos, ansiosos por estender suas vidas ao máximo, são encontradas nas populações economicamente desfavorecidas. Esta revelação critica a exploração dos mais vulneráveis e o sistema que permite tal disparidade.

A empresa Aeon, uma startup de biotecnologia, investiu enormes somas em pesquisas para atingir um avanço impressionante. Liderada por Sophie Theissen, interpretada por Iris Berben, a companhia é o epicentro desta narrativa. Sophie, uma figura carismática e manipuladora, enfrenta o dilema pessoal de não encontrar um doador genético compatível, acrescentando uma camada de complexidade à trama. Enquanto o filme desvenda as operações da Aeon, ele também narra a vida cotidiana do casal Max e Elena, interpretados por Kostja Ullmann e Marlene Tanzcik, respectivamente. A relação deles é marcada por desafios comuns de um casamento feliz, oferecendo um contraste humano e autêntico às tramas corporativas e científicas.

A narrativa toma um rumo inesperado quando a felicidade do casal é abruptamente interrompida. Kunz conduz a história para um segundo ato, onde revelações perturbadoras sobre Max, Elena e suas conexões com a Aeon e Theissen emergem. Elena, de repente, se vê envelhecida quarenta anos, confrontando uma culpa imerecida por eventos fora de seu controle, criando um drama intenso e emocionalmente carregado. Neste universo, similar à “novilíngua” orwelliana, o conceito de prazer se transforma em sofrimento, e o Céu se revela como um verdadeiro Inferno. Essa inversão de valores desafia a percepção tradicional, questionando as definições de felicidade e moralidade em uma sociedade que inverte o significado das palavras e das ações.


Filme: Paraíso
Direção: Boris Kunz
Ano: 2023
Gênero: Ação/Ficção científica/Suspense
Nota: 8/10