Ridley Scott não se contenta com a modéstia. Aos 86 anos, o diretor continua a desafiar limites, especialmente quando se trata de revisitar figuras históricas imponentes, nos fazendo acreditar que temos algo em comum com essas lendas.
Em “Êxodo: Deuses e Reis”, Scott utiliza a mesma fórmula vista em “Prometheus” (2012), “Robin Hood” (2010) e, claro, “Gladiador” (2000), acrescentando um toque de glamour à vida de um dos pilares da civilização judaico-cristã. Isso implica questionar dogmas que perduram há mais de dois milênios, desafiar imagens enraizadas no inconsciente coletivo e confrontar palavras que, para alguns, foram eternizadas pelo tempo, enquanto para outros, se perderam ao vento.
Scott reconta a história de seu protagonista sob uma ótica pessoal, alinhando-a com o que se considera verdade científica atualmente. Essa abordagem audaciosa frequentemente gera controvérsia, acrescentando um tom revolucionário à narrativa.
No ano 1300 antes da Era Comum, os hebreus já estavam há quatro séculos escravizados no Egito. Eram eles os responsáveis pela construção dos monumentos, das cidades e da glória dos egípcios, conhecidos pela originalidade de sua arquitetura, que influenciou diversos outros campos do conhecimento da época, muitas vezes em meio a conflitos com outras etnias.
O roteiro, assinado por Adam Cooper, Bill Collage, Jeffrey Caine e Steven Zaillian, começa mencionando a guerra contra os hititas, com seus dezesseis mil soldados invadindo Kadesh, na atual Síria. No palácio do faraó Seti I (1323 a.C. – 1279 a.C.) em Mênfis, o monarca está reunido com seus conselheiros, que sugerem um ataque, embora já estejam cercados. Moisés (1391 a.C. – 1271 a.C.) aparece pela primeira vez em uma conversa íntima com o soberano.
Em um dos momentos mais marcantes do filme, Christian Bale e John Turturro dividem a cena como pai e filho, embora não compartilhem laços de sangue. Moisés foi resgatado das águas por uma filha do rei, encontrada boiando no Nilo. Scott minimiza a rivalidade entre o filho adotivo do faraó e Ramsés II (1279 a.C. – 1213 a.C.), filho biológico do rei, mas a retoma no momento certo, quando Bale e Joel Edgerton se enfrentam em uma ocasião envolta em mitologia.
A computação gráfica proporciona um espetáculo com o rio de sangue, peixes mortos, sapos invadindo a cidade, moscas, vermes e a peste que dizima a população, deixando marcas esbranquiçadas em seus rostos. Os roteiristas quase oferecem explicações lógicas para cada uma das dez pragas do Egito, mas Scott sabiamente mantém a magia na famosa travessia do Mar Vermelho e no Moisés idoso esculpindo as tábuas dos dez mandamentos.
A decepção fica apenas no desperdício do talento de Ben Kingsley como Nun, o ancião que revela a Moisés seu destino de libertador dos hebreus, pouco antes da abertura do oceano para que o povo marchasse rumo à península do Sinai e depois até Canaã, a terra prometida. Sem gerar polêmica, “Êxodo: Deuses e Reis” desmantela o único refúgio dos antissemitas, uma verdadeira maldição perigosa.
Filme: Êxodo: Deuses e Reis
Direção: Ridley Scott
Ano: 2014
Gêneros: Épico/Drama/Ação
Nota: 8/10