Personagens impulsionados por um desejo de vingança, que se lançam sem temor em uma jornada contra aqueles que desestabilizaram a paz de seu lar e macularam a honra de sua família com o sangue de um inocente, nunca são demais no cinema. Esta premissa se mantém verdadeira ao examinar várias produções centradas na temática do acerto de contas, como “O Regresso” (2015), dirigido pelo mexicano Alejandro González Iñárritu. Este filme é possivelmente o mais marcante do gênero, apresentando um protagonista que se mantém firme em seu propósito, mesmo diante de inúmeras adversidades.
Embora também busque vingança pela tragédia que o atinge, o personagem principal de “Vingança e Castigo” não é um herói convencional. O enredo, que marca a estreia de Jeymes Samuel na direção de um longa-metragem — após o curta “They Die by Dawn” (2013) —, não inova no gênero, mas Samuel se destaca ao conduzir um elenco afinado em um épico de faroeste, uma das agradáveis surpresas de 2021, destacando-se pela originalidade na construção da narrativa.
Jonathan Majors é, sem dúvida, uma das forças motrizes do sucesso do filme. Interpretando Nat Love, líder de uma gangue que testemunhou o assassinato brutal de seus pais por Rufus Buck, vivido pelo igualmente excelente Idris Elba, Majors revela uma dimensão de seu talento até então pouco explorada. Seu Nat Love é um antagonista temível, mas não deixa de ser carismático, especialmente quando contracena com Zazie Beetz, que interpreta a sedutora Stagecoach Mary, uma antiga paixão do protagonista, com quem mantém uma química cativante até o final da história.
O confronto com Buck é o núcleo dramático do enredo, desencadeado quando o veterano, preso por seus crimes, é misteriosamente libertado. Antes levando uma vida tranquila e evitando problemas (ainda que nem sempre conseguisse), o protagonista decide abraçar de vez seu lado marginal e adotar uma postura vingativa, contando com poderosos aliados. O desafio é que seu adversário também recorre a medidas extremas.
Nat Love navega habilmente entre o papel de herói e vilão, prestando em “Vingança e Castigo” uma homenagem, ainda que implícita, a personagens icônicos como os de Clint Eastwood, além de reverenciar o gênero consagrado por Sergio Leone com sua trilogia da fortuna — “Por um Punhado de Dólares” (1964), “Por uns Dólares a Mais” (1965) e “Três Homens em Conflito” (1966). O enigmático Homem sem Nome, o “Bom” do título que fecha a trilogia (“The Good, the Bad and the Ugly” em inglês), pode ser visto como um ancestral do personagem de Majors, ambos oscilando entre heroísmo e vilania para alcançar seus objetivos.
No caso de Love, há o componente racial, abordado de forma consciente por Jeymes Samuel, já que o elenco é predominantemente negro. Nat Love se ergue como o mártir negro que enfrenta a barbárie infligida à sua família por um criminoso de mesma cor, uma ideia ousada do diretor que confronta debates superficiais sobre racismo reverso ou discriminação étnica perpetrada por um indivíduo negro. A população negra nos Estados Unidos tem enfrentado diversas formas de preconceito desde muito antes do século 19, período em que se passa a trama, culminando na aprovação da 13ª Emenda em 6 de dezembro de 1865, ao fim da Guerra Civil Americana, que opôs o Sul escravagista ao Norte abolicionista.
O trabalho de Samuel não se propõe a um retrospecto histórico deste marco, abordado com rigor no documentário de Ava DuVernay lançado em 2016, e também presente em “Uma Noite em Miami” (2020), dirigido por Regina King — que, por sinal, integra o elenco de “Vingança e Castigo”. Diferentemente de Samuel, King situa sua narrativa nos anos 1960, período em que os direitos civis dos negros americanos ganham destaque.
Embora combata um inimigo negro como ele, a atuação de Jonathan Majors em “Vingança e Castigo” inevitavelmente remete a “Django Livre” (2012). No filme de Quentin Tarantino, o diretor brinca com estereótipos do escravo submisso que se torna um vingador e exterminador de senhores brancos, descrente da justiça e da lei, após sofrer as piores humilhações apenas por ser negro. Já Samuel parte de um ponto de vista que revela o persistente racismo nos Estados Unidos e na sociedade atual: negros podem ser heróis ou vilões, bons ou maus, íntegros ou deploráveis, como qualquer outra pessoa. Esta perspectiva também está presente em “Infiltrado na Klan” (2018), de Spike Lee, outro diretor negro como Samuel, King e DuVernay, que explora o preconceito ao ampliar seu foco para uma comparação entre a aversão aos negros e aos judeus, abordando minorias de maneira abrangente.
Fazendo uma alusão inteligente a “Crime e Castigo” (1866), do romancista russo Fiódor Dostoiévski, Jeymes Samuel, com “Vingança e Castigo”, também evoca a ideia de redenção da honra através do sofrimento, destacando o niilismo presente tanto em Rodion Raskhólnikov, o anti-herói de Dostoiévski, quanto em Nat Love, ambas as narrativas situadas no século 19. Cada época reflete a humanidade que merece.
Filme: Vingança & Castigo
Direção: Jeymes Samuel
Ano: 2021
Gêneros: Drama/Western Revisionista
Nota: 9/10