O filme Sob a Pele do Lobo ilustra a tese de que a solidão é uma constante na História. Independente da época, há sempre aqueles que encontram refúgio apenas em sua própria companhia. O excesso de convivência consigo mesmo acaba exigindo mais espaço, e quando percebem, já ocuparam tudo ao seu redor, achando o mundo pequeno para o seu vazio interior.
Este é o pano de fundo para a estreia do diretor espanhol Samu Fuentes, que nos apresenta a vida cotidiana de um homem totalmente adaptado ao seu meio, mas que sofre as consequências dessa adaptação. Vivendo há anos em um vilarejo desabitado nas montanhas espanholas, na fronteira com a França, Martinon, interpretado por Mario Casas, perdeu boa parte de sua humanidade e o pouco que restou o povoincomoda profundamente.
Fuentes utiliza o personagem de Martinon para explorar desejos e anseios humanos que ressoam com o público. Mesmo em meio a multidões, muitos se sentem miseravelmente sozinhos, cercados por pessoas que não lhes significam nada. A solidão de Martinon é retratada de forma crua e brutal. Ele perdeu a noção do tempo que vive em seu casebre de pedra no alto de uma montanha durante o século 19, sem qualquer contato com a civilização que se encontra além de seus muros.
Sua vida resume-se a satisfazer suas necessidades básicas e caçar lobos, atividade que lhe proporciona sustento e o obriga a interagir ocasionalmente com uma vila para vender as peles dos animais. Martinon tornou-se um lobo em sua essência, alternando entre vulnerabilidade e agressividade, adaptado às condições que considera ideais para sua natureza.
Durante uma dessas viagens, Severino, o taberneiro interpretado por Kandido Uranga, sugere que Martinon arranje um novo cão para ajudá-lo nas caçadas, mas ele recusa prontamente, preferindo sua solidão. A ideia de ter uma companhia feminina é inicialmente rejeitada por ele, mas eventualmente propõe ao pai de Pascuala, com quem já mantinha encontros furtivos, que lhe venda a moça.
Naquela época, tal transação era comum e não causava surpresa. Ruth Díaz, que interpreta Pascuala, transmite a agonia de sua personagem, que apesar de gostar de Martinon, não queria se tornar sua esposa. As cenas compartilhadas por Díaz e Casas são intensas, quase sem diálogo, retratando a beleza crua dos personagens deslocados. Porém, uma reviravolta os separa e Adela, a irmã de Pascuala interpretada por Irene Escolar, assume seu lugar. Adela adapta-se melhor à vida na montanha e ao convívio com Martinon, intimidada por seu aspecto rude, mas também capaz de dobrá-lo e humanizá-lo gradualmente.
Fuentes guia a trama de modo a fazer o público acreditar que Martinon está se tornando mais sensível, possivelmente apaixonado por Adela, que também demonstra afeição pelo marido. Contudo, novos eventos ocorrem, Adela reage de maneira intempestiva, e uma tragédia se desenrola, afetando a jornada do casal.
Mario Casas enfrenta o desafio de atuar com poucos diálogos e sem muitos parceiros de cena, e embora pareça perdido em alguns momentos, isso se deve ao roteiro, que por vezes se descontrola. O ator incorpora o lado selvagem de Martinon, privando-se da fala e adotando uma postura animalesca, talvez inspirado na atuação de Leonardo DiCaprio em O Regresso (2015).
A fotografia de Aitor Mantxola, meticulosamente trabalhada, destaca a onipresença da neve, dando a impressão de que o filme foi rodado em preto e branco. Esse recurso técnico e estilístico impressiona a audiência, que se vê enfeitiçada pelo que Sob a Pele do Lobo sugere mais do que mostra. Samu Fuentes, com suas escolhas ousadas, consegue entregar um filme que cativa e provoca reflexões profundas sobre a solidão e a condição humana.
Filme: Sob a Pele do Lobo
Direção: Samu Fuentes
Ano: 2017
Gênero: Drama
Nota: 8/10