Todos carregamos definições precisas do amor, embora ele mesmo frequentemente as desmonte enquanto tentamos entender sua lógica. “Anna Kariênina”, do escritor russo Liev Tolstói (1828-1910), é possivelmente a história de amor mais trágica de todas. Adaptada cinco vezes para o cinema entre 1935 e 2012, a trama entre a protagonista Anna Kariênina, casada com Alieksiéi Kariênin, um alto funcionário do czar Alexandre II, e o Conde Vronsky, um oficial da cavalaria, causou escândalo na aristocracia russa imperial.
Anna pede o divórcio, mas Kariênin não apenas nega como também impede que ela veja o filho. Mesmo assim, o casamento termina, assim como o romance extraconjugal, e o destino de Anna é desastroso. Toda história de amor carrega consigo uma dose de tragédia, e se não atinge esse ponto, é porque a nobreza do sentimento humano supera a brutalidade dos instintos. Dois indivíduos diferentes, como rios paralelos, se encontram e, se tudo correr bem, seguem juntos para a eternidade.
Mas e se as coisas não forem assim? Essa é a essência do amor. Vinicius de Moraes (1913-1980), um mestre no tema, afirmou em seu “Soneto de Fidelidade” (1946) que o amor, sendo chama, não pode ser imortal, mas pode ser infinito enquanto durar. Pode parecer óbvio, mas o amor é ridículo, como alegou o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), outro especialista no assunto.
O cinema asiático sempre surpreendeu o público global com histórias originais, equilibrando frieza e drama intensos. No século 21, o Oriente permanece enigmático para aqueles que nasceram em terras distantes e, além da distância física, se vangloriam de seus preconceitos xenofóbicos. Diretores como Wong Kar-Wai, da China, e Akira Kurosawa (1910-1998), do Japão, superaram o preconceito e se firmaram no mercado cultural, criando obras de arte que, apesar de aparentemente simples, provocam profundas reflexões.
Um amor que termina é doloroso, mas pior ainda é tentar justificar o fracasso e negar as circunstâncias que levaram ao fim. René Liu, uma atriz e cantora de sucesso com mais de 20 álbuns, mostra-se uma diretora sensível em “Pérolas no Mar” (2018). No filme, Jian-qing e Xiao-xiao se apaixonam durante uma viagem de trem na China para comemorar o fim de 2007. De estranhos, eles se aproximam, mas após uma década se reencontram em um aeroporto, questionando por que o romance acabou se ainda sentem uma conexão forte.
Nelson Rodrigues (1912-1980), um dos maiores cronistas das relações humanas, disse que dinheiro compra tudo, inclusive o amor verdadeiro. Com seu cinismo característico, ele, assim como Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), critica a ideia de poliamor, considerando-a um desespero de quem quer entrar no Paraíso por mais de uma porta ao mesmo tempo.
Para que o amor seja verdadeiro, ele deve estar inserido em um contexto que o legitime. Jian-qing e Xiao-xiao, antes de prometerem amor eterno, precisam resolver questões mais práticas, como o que comer. Jian-qing, estudante de programação, muda-se para Pequim para desenvolver um projeto que o tirará da pensão precária onde vive. Xiao-xiao, sem as mesmas qualificações, busca um parceiro rico que a sustente.
O jogo criado por Jian-qing poderia cair em clichês, assim como a personagem submissa de Xiao-xiao. No entanto, Liu desmonta esses clichês, mostrando que o jogo é inspirado na vida real de Xiao-xiao. Mulheres seguras de sua feminilidade, como Clarice Lispector (1920-1977) e Rachel de Queiroz (1910-2003), não se incomodam em ser musas para grandes obras. Xiao-xiao, ciente de sua realidade, não quer desperdiçar mais uma década em ilusões vãs.
A história de Jian-qing e Xiao-xiao poderia ter sido diferente se ele tivesse embarcado no metrô com ela. No entanto, a vida não é feita de suposições, e não se pode viver eternamente na esperança de que tudo melhore. Se Jian-qing tivesse ido com Xiao-xiao, continuariam a enfrentar as mesmas dificuldades, só que em um novo lugar e sem a juventude de antes.
A imagem de um personagem apaixonado que se afasta fisicamente ao embarcar em um veículo, especialmente em um metrô, é um clichê poderoso e lírico. Esse tema aparece em filmes como “Um Homem de Sorte” (2018), de Bille August, “Me Chame pelo seu Nome” (2018), de Luca Guadagnino, e “Os Girassóis da Rússia” (1970), de Vittorio De Sica (1901-1974). Nesses filmes, a separação na estação de trem simboliza a inevitabilidade da vida que nunca se submete às nossas vontades. É preciso seguir o caminho que a vida nos oferece e aceitar que algumas pérolas devem permanecer no fundo do oceano.
Filme: Pérolas no Mar
Direção: Matt Palmer
Ano: 2018
Gêneros: René Liu
Nota: 10/10