Filme lindíssimo na Netflix vai tocar cada cantinho da sua alma Regine de Lazzaris A. Greta / Netflix

Filme lindíssimo na Netflix vai tocar cada cantinho da sua alma

A trajetória do cinema no século 20 se entrelaça profundamente com a vida de Sofia Loren. Nascida como Sofia Villani Scicolone, ela capturou a atenção de todos desde jovem, graças à sua figura impressionante e aos olhos hipnotizantes, que pareciam capazes de derreter até as geleiras. Em 1950, aos quinze anos, sua carreira artística começou a tomar forma ao participar de um concurso de beleza.

Logo, Sophia Loren, que adotou esse nome sob a sugestão do marido e diretor Carlo Ponti (1912-2007) para se adequar à crescente influência anglófona, transcendeu a mera imagem de beleza. Ela se destacou pelo talento, buscando papéis significativos que marcaram sua carreira. Determinada, convenceu o diretor Vittorio De Sica (1901-1974) de que era a escolha perfeita para interpretar Cesira em “Duas Mulheres” (1960), e essa insistência resultou em seu Oscar de Melhor Atriz, entre outros prêmios, por sua atuação.

Loren, um pilar da arte dramática no cinema, celebra sete décadas de uma carreira marcada por profissionalismo e critérios rigorosos na escolha de seus papéis, mesmo para participações menores. Sua fama de dedicação é tamanha que dizem que ela trabalha mesmo com febre alta. Esse rigor é um dos motivos de sua ausência prolongada dos sets, e cada retorno é como se ela voltasse no tempo, à jovem que encantava o público em concursos de beleza. Sophia Loren sempre foi muito mais do que a aparência podia revelar.

Em “Rosa e Momo”, Loren não apenas fez um retorno triunfal, mas também ajudou seu filho, Edoardo Ponti, diretor do filme. Baseado no livro “A Vida pela Frente” (1975) de Romain Gary (1914-1980), já adaptado em “Madame Rosa” (1977) por Moshé Mizrahi (1931-2018), o filme de 2020 mantém a essência da história original.

Madame Rosa, interpretada por Loren, é uma sobrevivente do Holocausto que, após a guerra, se viu forçada a ganhar a vida como prostituta. Já idosa e aposentada, ela cuida dos filhos de outras prostitutas no subúrbio de Paris, muitas vezes em caráter permanente devido às dificuldades dessas mães, como prisão ou desaparecimento. Madame Rosa se torna um pilar em um tecido social desfeito, tentando dar aos seus pupilos uma chance de um futuro melhor, apesar dos desafios.

A atuação de Loren no papel é comovente. Com um roteiro assinado por Ponti, Ugo Chiti e Fabio Natale, ela explora novas nuances de Madame Rosa, distintas das apresentadas por Simone Signoret (1921-1985) na adaptação de Mizrahi. A personagem de Loren é mal-humorada, espirituosa, rígida e emotiva, frequentemente ao mesmo tempo. Com um passado de abandono, ela demonstra que, embora tenha sofrido, não se deixou endurecer além do inevitável. Quando o peso das emoções se torna insuportável, Rosa se recolhe à solidão, lutando com a pouca força que resta. Sua sobrevivência se deve à capacidade de contornar emoções perturbadoras que ainda a assombram.

A chegada de Mohamed, o Momo, transforma a vida de Rosa. Interpretado por Ibrahima Gueye, o jovem senegalês de quatorze anos compartilha com Rosa um passado marcado por sofrimento. Negro, muçulmano e órfão, Momo carrega a memória traumática de seu pai ter assassinado sua mãe, que queria deixar a prostituição. Como Rosa, Momo sobreviveu através de pequenas infrações, traficando drogas para se sustentar.

Rosa, percebendo o potencial problema, consegue trabalho para Momo na loja de Hamil, interpretado por Babak Karimi, e conta com a ajuda de Lola, uma personagem corajosa e honesta vivida por Abril Zamora, uma atriz transgênero. A amizade de Lola, uma ex-boxeadora que cuida do filho de seu parceiro, reaviva Rosa quando ela parece prestes a desistir. A relação entre Rosa, Momo e Lola, cheia de altos e baixos, é um dos elementos mais cativantes do filme, destacando a resiliência e a capacidade de se reinventar em meio às adversidades.

Sophia Loren continua sua vida com a mesma energia e dignidade que marcaram sua longa e fascinante carreira. O desfecho melancólico de “Rosa e Momo”, na Netflix, nos lembra da finitude da vida, mas também celebra a força e a beleza duradoura de Loren, uma verdadeira lenda do cinema.


Filme: Rosa e Momo
Direção: Edoardo Ponti
Ano: 2020
Gênero: Drama
Nota: 9/10