Procuro parceiro para dupla sertaneja

Procuro parceiro para dupla sertaneja

Favor ligar somente os interessados. Farei a primeira voz. O nome da dupla eu já tenho: Barrilete e Platibanda. Não se ocupem em pesquisar esses verbetes no Google. Eu mesmo esclareço. Barrilete é um termo utilizado na construção civil para definir o conjunto de tubulações hidráulicas prediais que se originam nos reservatórios de água e que derivam para as colunas de distribuição de água. Platibanda significa o prolongamento da parede, uma moldura ou uma faixa horizontal de alvenaria na parte superior de uma casa ou prédio, cujo objetivo é ocultar o telhado.

Escolhi esses nomes inspirado na casa que estou construindo. Simples assim. O engenheiro que carreguei no colo — esclareço que fiz isso há décadas, quando ele era apenas uma criança — saiu-me com esses termos que eu considerei extremamente sonoros, para não dizer, cômicos, os quais me remontaram imediatamente para outras denominações peculiares de duplas do universo sertanejo, tais como: Milionário e Zé Rico, Preferido e Predileto, Domyngo e Feryado, Simpatia e Gente Fina, Jacklane e Manda Brasa, Poliglota e Porta Voz, Bátima e Robson, Chanceler e Diplomata, Marlboro e Hollywood.    

Nunca fumei. Nunca me liguei nesse estilo musical, embora, curta e respeite a música caipira de raiz. Vocês devem estar se perguntando por que cargas d’água um sujeito de comportamento urbano como eu criaria uma dupla com outro indivíduo. Essa iniciativa não tem nada a ver com o fato de eu ser goiano. Cada um com os seus problemas. Não possuo sequer uma cabeça de gado, obrigado. Também não fui traído — não que eu tenha conhecimento. Por acaso, vocês sabem de alguma coisa que eu não esteja sabendo? Muito menos, estou tentando me passar por um sujeito engraçado. Não sou um homem engraçado. Aliás, na média, o mau humor recalcitrante é o meu ponto forte.

Calma. Estou apenas brincando. Essa provocação tem a ver com a ecologia e com as tentativas de garantir o meu envelhecimento sustentável neste planeta. Explico. Se a dupla der liga, se o sucesso não subir para a cabeça juntamente com os piolhos, pretendo compor e cantar com o meu parceiro modões que falem sobre a vida no campo antes do campo ser destruído para dar lugar aos descampados tomados pela soja. Não é exagero. O nome dessa figura de linguagem é hipérbole e faz parte do estilo literário. Refiro-me ao riachinho de água cristalina, às sinfonias de passarinhos cantando nas matas nativas, às flores miudinhas e aos frutinhos saborosos do cerrado, à comida caseira fumegando na trempe. O texto está terminando. Não me resta tempo para explicar o que seja trempe. Quem não souber, que recorra — agora sim — ao formidável deus Google.

Também gosto de dinheiro. Eu sei que ninguém segura o progresso desse país emergente e os projetos milionários do agronegócio. O negócio é o seguinte: a população mundial não para de crescer, padece de uma fome descomunal e é o meio ambiente quem paga o pato, sofrendo com as degradações desenfreadas que se sucedem há décadas. Mais da metade da vegetação nativa do cerrado, por exemplo, já foi destruída. Uma vergonha. Tenho idade suficiente para confirmar o que os institutos já diagnosticaram: chove menos a cada ano no centro-oeste brasileiro. Algumas espécies animais desse importante bioma passam por adiantado processo de desaparecimento. Em breve, só serão vistos nas jaulas da Wikipedia.

O Brasil conta com parlamentos perversos e incompetentes em matéria de proteção às causas ecológicas e ao desenvolvimento sustentável do país. As devastações da flora e da fauna terão reflexos dramáticos, a começar por ontem. Pode parecer paradoxal, mas, as recentes enchentes no Rio Grande do Sul são apenas mais um exemplo das consequências da atuação nefasta do ser humano contra o meio ambiente. Cantar a natureza morta será o nosso legado para as futuras gerações. Isto é, se houver futuro.

No duro: procuro parceiro para uma dupla sertaneja. Não precisa saber cantar. Não precisa tocar viola. Não precisa usar calça jeans que esmague os testículos. Não precisa gostar deste estilo musical em particular, de já ter pisado em bosta de vaca algum dia na vida, de saber distinguir um cavalo de uma égua. Não seria rigoroso a tal ponto. Basta estar sinceramente comprometido com as causas ambientais. Favor ligar apenas os interessados. A minha paciência com gente negacionista está por um fio e eu não gostaria de descarregar uma metralhadora cheia de mágoas que tomei emprestada do espólio do cantor Cazuza.

Eberth Vêncio

Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 59 anos. Escreve para a Revista Bula há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente Bipolar, uma antologia de contos e crônicas.