O fenômeno global de bilheteria com Tom Cruise que arrecadou 20 vezes nos cinemas o próprio orçamento, na Netflix Divulgação / Paramount Pictures

O fenômeno global de bilheteria com Tom Cruise que arrecadou 20 vezes nos cinemas o próprio orçamento, na Netflix

Tudo quanto se relacione a velocidade e concorrência por estima — sobretudo entre homens — tem muita chance de se tornar um sucesso instantâneo, e para além de um momento breve. À medida que crescem, meninos tomam gosto por brinquedos mais arrojados, aos quais passam a devotar um amor obsessivo. É valendo-se desse mistério que Tony Scott (1944-2012) faz “Top Gun — Ases Indomáveis” cruzar o horizonte e escrever no céu o nome de um astro, cujo destemor é uma das marcas desde então. 

“Top Gun” captura o interesse da plateia lançando mão de truques simples, como nos momentos em que seu mocinho, tentando abater o MiG russo que invadira o espaço aéreo dos Estados Unidos, singra um oceano de nuvens num caça da Marinha americana. Para tanto, o piloto inverte o eixo da aeronave e fica tão perto do inimigo que até pode fotografá-lo, o que efetivamente faz.Quase quatro décadas depois, uma sequência tão rápida e ainda mais despretensiosa dá boas explicações a respeito do país em que o roteiro de Jack Epps Jr. e Jim Cash situa a narrativa, incluindo o espectador no que acontece.

Com método, a grande estrela do filme desponta para muito além da atmosfera de heroísmo militar que circunda o enredo. O Maverick de Cruise é aprovado para a escola que forma pilotos de elite da Marinha, chamada pelos cadetes de Top Gun, como se lê na tela negra com que o diretor abre o longa. O texto de Epps Jr. e Cash destrincha Maverick, codinome de Pete Mitchell, acrescentando informações relevantes sobre ele. Aos 24 anos, Maverick ainda tenta suportar duas ausências. À morte da mãe, segue-se a perda do pai, também piloto, obnubilada pela vergonha de ter provocado o acidente fatal que vitima um companheiro durante a Guerra do Vietnã (1955-1975), um dos poucos malogros inolvidáveis das tropas americanas em enfrentamentos bélicos com outros povos. 

Cerca de duas décadas mais tarde, Maverick responde pela mesma acusação, indiciado num processo militar que o incrimina pela morre de Goose, o parceiro de voo vivido por Anthony Edwards. Maverick é considerado inocente, e a partir de então Scott fixa-se no relacionamento entre o personagem central e Tom Kazanski, mais conhecido como Iceman, “homem de gelo”, por sua insensibilidade a toda prova e seu temperamento avesso a maiores interações. 

A essência do anti-herói é absorvida à perfeição por Val Kilmer, que aproveita para deixar claro que o distanciamento convicto de Iceman é muito mais a estratégia de defesa que o ajuda a sobreviver em meio a um ambiente tão hostil. Na esteira da guerra fria entre Maverick e Iceman, o diretor encaixa o romance do piloto com Charlotte Blackwood. Charlie, a astrofísica de Kelly McGillis num desempenho luminoso, garante a leveza de que “Top Gun” passa a se ressentir depois de quase dois terços do longa, meio áridos demais, com direito inclusive a uma elucubração sobre possíveis impedimentos éticos no envolvimento amoroso de colegas, tanto pior no ofício deles.

Embora “Top Gun — Ases Indomáveis” tenha virado uma instituição do cinema de todos os tempos, há que se assinalar certos deslizes, a exemplo do vôlei de areia dos pilotos, desperdício de energia que deita fora boa parte do trabalho hercúleo de toda a equipe. A despeito de bizarrices de tal natureza — ou por causa delas — é que Tom Cruise virou uma das celebridades mais queridas (e bem pagas) do cinema, reputação que o ostracismo fundado em questões pessoais como a adesão à cientologia arranhou um bocado. Encampando outras pequenas e deliciosas loucuras, como abrir mão de dublês em nome da tal verossimilhança, Cruise permanece no trono, com toda a justiça.


Filme: Top Gun — Ases Indomáveis
Direção: Tony Scott
Ano: 1986
Gêneros: Guerra/Romance/Ação
Nota: 8/10