Em “O Poderoso Chefão”, o primeiro dos quatro filmes de Francis Ford Coppola sobre o enraizamento da máfia siciliana na América, o diretor, muito bem amparado pelo roteiro escrito com Mario Puzo (1920-1999), autor do romance de que a narrativa, copiosa, sai como num jato de denúncia e tétrica beleza, estabelece tomos invisíveis e quase didáticos a fim de destrinchar uma saga grandiosa, que se estende por quase três horas — para não mencionar os outros três longas, dispostos em cinquenta anos. Eis uma das razões que fazem desta uma das mais valiosas joias da cultura pop, nascida clássica por nunca perder o frescor artístico e a urgência no que tem de comentário sociológico acerca de perversões íntimas que extravasam no estilo de vida de uma nação durante anos.
Um homem que acredita na família, criada nos moldes americanos mais genuínos — e nisso entra, claro, muito mais que um punhado de dólares —, dirige-se a Vito Corleone, suplicando por ajuda. Don Corleone é o único a poder socorrê-lo depois que a filha fora violentada pelo namorado e os amigos dele, e ao fim do julgamento os agressores terem saído pela porta da frente, largando-o desconsolado com sua cólera incontida. Majestoso, o patriarca eternizado por Marlon Brando (1924-2004) vem e vai na trama, cedendo espaço, sobretudo nos lances mais acelerados e brutais, para Al Pacino, andamento por meio do qual Coppola confere a seu filme a aura de épico contemporâneo (malgrado não se possa dizer que já com essa intenção), dando ênfase a Michael, o terceiro dos quatro filhos do personagem de Brando, em fuga para a Itália depois de ser sentenciado à morte por uma facção rival.
Mulherengo inveterado, Mike desposa Appolonia Vitelli, a camponesa vivida por Simonetta Stefanelli, mas ao voltar aos Estados Unidos, reata com Kay, a WASP bem-nascida de uma Diane Keaton muito diferente da mulher formosa que é ainda hoje. O grande personagem do prólogo da tetralogia é mesmo o playboy composto por Pacino, embora Don Corleone permaneça sobranceiro, feito se admirasse o desdobrar dos acontecimentos ao longe — postura muito diferente da do coronel Walter E. Kurtz de “Apocalypse Now” (1979). O massacre na cerimônia de batismo, um dos derradeiros eventos de “O Poderoso Chefão”, consagra Mike como “o” sucessor do patriarca; Coppola fecha assim essa trama rocambolesca de paixões e sangue e de um jeito nada previsível.
Perfeccionista, preciosista, Coppola arremata (será?) dessa maneira seu tratado sobre a máfia italiana, comodamente refugiada nos subúrbios de Nova York na esteira da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e cujos próceres tornarem-se íntimos de celebridades que faziam questão de desdenhar do politicamente correto e de líderes políticos. Agora, Don Corleones e Michaels tornam-se donos também do poder que habita os palácios por todo o mundo.
Filme: O Poderoso Chefão
Direção: Francis Ford Coppola
Ano: 1972
Gêneros: Crime/Drama
Nota: 10