Comédia com Chris Rock na Netflix vai melhorar seu dia instantaneamente Divulgação / Paramount

Comédia com Chris Rock na Netflix vai melhorar seu dia instantaneamente

A cerimônia de premiação do 94° Oscar, em 27 de março de 2022, entrou para a história dos acontecimentos paralelos da indústria cinematográfica — pela porta dos fundos. Naquela noite, Will Smith reagiu com, digamos, pouco espírito esportivo à asquerosa piada do comediante Chris Rock sobre a alopecia da esposa, Jada Pinkett-Smith, pouco antes de receber a estatueta de Melhor Ator em reconhecimento a sua performance no drama de família “King Richard: Criando Campeãs” (2021), dirigido por Reinaldo Marcus Green, no qual vive o protagonista, Richard Williams, um pai que se desdobra para fazer das filhas, Venus e Serena, meninas negras (e pobres), grandes expoentes do tênis, esporte conhecido pelo elitismo, ou seja, um esporte de brancos endinheirados.

Smith tem experimentado dias de ostracismo compulsório graças à louvável atitude de defender a honra da mulher com quem permanece junto, enquanto Rock sobe no conceito de alguns sabidos, e em num distante 2014, estrelava e dirigia “No Auge da Fama”, uma tentativa de crescer, como artista e como homem, que o episódio de oito anos depois comprovou ser mera jogada de marketing. Se seu filme tem algo de bom, é justamente a capacidade de imprimir leveza a temas que fustigam os Estados Unidos desde sempre, dentre os quais o racismo, por óbvio, ganha lugar de destaque.

Analisando-se o filme com o natural distanciamento, percebem-se no roteiro de Rock os cacoetes de um humor ofensivo, de natureza igual ao empregado para atacar Smith, e volta-se à bizantina discussão sobre o que se deve ou não dizer na frente de plateias cuja dimensão nunca se consegue mensurar com justeza. Feita essa ponderação, é mister afirmar que “No Auge da Fama” acerta em cheio ao esfregar na cara dos hipócritas o racismo que grassa nas situações mais comezinhas, malgrado o próprio diretor-roteirista-estrela reconheça haver boa dose de paranoia de pretos e brancos no debate racial em voga no mundo hoje.  

Os bastidores de Hollywood despertam uma curiosidade entre inocente e mórbida nos pobres mortais que nunca irão saber o que se passa naquele distrito de Los Angeles. O cinema tratou de eternizar esse lugarejo meio sem graça do oeste americano como uma terra na qual as oportunidades brotam do chão e projetam-se em direção ao sol vigoroso da Califórnia, como uma das tantas palmeiras que tratam de suavizar a aridez do cenário. Esses filmes conquistaram seu lugar no coração do público justamente por reverenciar a ideia de que o sol nasce mesmo para todos em Hollywood — e, por extensão, nos Estados Unidos —, argumento que por seu turno dá margem a uma pletora de interpretações, visceralmente ligadas ao conceito de trabalho duro, meritocracia, o capitalismo encarnando o papel de grande redentor do mundo, vitaminado, por óbvio, pelo rio de dólares da pujante economia da América, que vez ou outra até tem seu período de vazante, mas nunca seca por completo. Naturalmente, o caldeirão de lugares-comuns que a indústria cinematográfica faz questão de manter sempre muito bem abastecido entorna de quando em quando, momento em que vêm a luz joias raras que castigam os costumes sem pesar a mão, deixando um bom recuo para apreciação de possíveis movimentos nas mais inusitadas direções. 

Com “No Auge da Fama”, Rock parece ter querido dar uma chacoalhada na carreira, decerto movido pela proximidade dos cinquenta anos. E o diretor-roteirista-estrela o faz mediante Hammy, o Urso, o astro de uma franquia de besteiróis encarnados por Andre Allen, seu personagem, um preto rico, talentoso, querido pelo público… e profundamente infeliz. Hammy é o alter ego perfeito para que Rock discorra com toda a propriedade sobre o quão duro é para um artista não-branco chegar ao topo do showbiz — quanto à política, ele já havia tecido ideias estimulantes em “Um Pobretão na Casa Branca” (2003) —, e nisso é ajudado por Chelsea Brown, a repórter do “New York Times”, latina e de pele escura, encarregada de redigir um perfil do comediante. Rosario Dawson resta miseravelmente perdida ao se prestar como escada para as blagues um tanto ligeiras, inclusive depois de um diálogo sobre a Revolução Haitiana (1791-1804), promissor, mas que não chega a lugar algum. Chris Rock chegou. Mas Will Smith foi mais longe. 


Filme: No Auge da Fama 
Direção: Chris Rock  
Ano: 2014 
Gêneros: Comédia/Romance  
Nota: 7/10