O filme na Netflix que renovará sua fé, acalmará sua alma e tocará cada pedacinho do seu coração Divulgação / Eagle Films

O filme na Netflix que renovará sua fé, acalmará sua alma e tocará cada pedacinho do seu coração

Patrick “Tyler” Doughtie (1995-2005) é uma das provas de que é mesmo certo o pensamento que sugere uma estranha proximidade entre todos os habitantes desse pequeno globo flutuando na imensidão do universo. Tyler, o protagonista de “Cartas para Deus”, parece ter vindo ao mundo para deixar um pouco menos árdua a jornada daqueles que cruzaram o seu caminho, enquanto era consumido por uma neoplasia cerebral mais e mais maligna e resistente à quimioterapia e aos vários medicamentos que foi obrigado a incluir em sua breve vida.

David Nixon e Patrick Doughtie contam essa história lôbrega, mas edificante, dando amplo espaço para o ponto de vista do garoto, um narrador onisciente que dá a impressão de que, desde sempre, tinha uma ideia bastante clara quanto a seu destino, e, assim mesmo, nunca transige com o desespero. O roteiro, de Art D’Alessandro, Sandra Thrift e Doughtie, elabora com mais lirismo episódios vividos por Tyler ao longo de sua jornada de tentativa de cura e autoconhecimento, lembrados pelo codiretor, pai do menino, que faz questão de sublinhar a bravura de uma criança fora do comum.

A partir do momento em que vê a luz do mundo, o homem começa uma viagem rumo a lugares em que decerto quereria estar caso tivesse pleno domínio sobre sua própria vida. Quanto antes temos claro que estamos rigorosamente sós no mundo, à mercê da imoderação da natureza humana em toda a sua degradação de princípios e comportamentos; o mais cedo nos convencermos de que determinadas circunstâncias, a despeito de mudanças as mais profundas que possam orientar a condução das sociedades ao redor do globo; o menos afetados pela descrença de tudo, motivada por um critério um tanto fantasioso acerca do justo encaminhamento das questões que tocam aos direitos mais básicos de um indivíduo, melhor haveremos de nos sair frente aos incessantes desafios com que nos regala e nos humilha o existir, momento em que igualmente nos atormenta a certeza de sermos todos, em quadras específicas de nossa história e pautados por intenções e anseios distintos, românticos pregadores num deserto onde só floresce a inutilidade do nada absoluto.

A ciência, a medicina, as instituições e, por óbvio, a arte esmeram-se em seu propósito de burilar a natureza humana, mas a agonia predadora do homem por liderar; seu desejo patológico e imorredouro de autoafirmação; de subjugar quem quer que considere mais vulnerável; de impor sua visão de mundo custe o que custar, continuam muito mais fortes que o mais elaborado dos bons desígnios. Ao seguir por esse lado torpe do ser humano é que os verdadeiros mágicos conseguem domar um lobo que se devora a si mesmo e, assim, também libertam suas próprias feras.

O quarto colorido de Tyler não difere das instalações de meninos e meninas de todo o planeta, e este é um dos expedientes usados pelos roteiristas a fim de levar o público a absorver mais rápido a metamorfose do personagem central. Serena, a abertura, com um carteiro deslocando-se alegre pelas vistosas casas de um bairro acolhedor, fala um pouco sobre quem mora naquele pedacinho de paraíso. Entre eles se inclui Cornelius Perryfield, o velho ator um tanto ranzinza, mas bondoso, de Ralph Waite (1928-2014), e está também a ensolarada família Doughtie, que ainda priva da companhia de seu caçula.

Esse cenário não tarda a degringolar, sensação evidenciada com força ainda maior pela fotografia de Bob Scott, e Tyler vai aparecer hospitalizado, num ambiente imaculadamente claro e mórbido. As missivas para o único Médico que poderia salvá-lo começam antes, e aos poucos insinua-se também a amizade do agora doente e Brady McDaniels, o carteiro alcoólatra interpretado por Jeffrey Johnson. No desfecho, apenas Brady fica, mas grato pela vida de Tyler. E por sua nova vida.


Filme: Cartas para Deus
Direção: David Nixon e Patrick Doughtie
Ano: 2010
Gênero: Drama
Nota: 8/10