A obra-prima ignorada pela crítica e pelo público, que é um dos melhores filmes da história da Netflix David Eustace / Netfix

A obra-prima ignorada pela crítica e pelo público, que é um dos melhores filmes da história da Netflix

No evento de estreia do Festival Internacional de Cinema de Toronto em 2018, o filme “Legítimo Rei” chamou atenção. Com uma riqueza de detalhes, desde o uso extensivo de imagens aéreas captadas por drones até a minuciosa recriação do vestuário da época, o filme de David Mackenzie promete imergir o espectador na era medieval com autenticidade e vigor. A coreografia das cenas de combate, cruciais para o gênero, demonstra uma atenção particular, garantindo que cada confronto transmita tanto a tensão quanto a estratégia dos embates históricos.

David Mackenzie se destaca por sua habilidade em extrair performances profundas e nuançadas de seu elenco, tornando momentos cotidianos em cenários de grande significado dentro da narrativa maior. Embora o enredo central, que aborda temas densos e por vezes obscuros, possa não ressoar imediatamente com o público brasileiro, acostumado a tramas envolvendo ambição, questões sociais, e dilemas éticos familiares, Mackenzie consegue, mesmo assim, criar uma conexão emocionante.

Ao focalizar a jornada de Roberto I da Escócia, interpretado com maestria por Chris Pine, o filme busca lançar luz sobre um período menos conhecido da história escocesa, marcado por conflitos e desafios políticos. Pine dá vida a um líder carismático, cuja governança reflete um misto de táticas populistas e paternalistas, numa terra cuja identidade e destino eram, à época, incertos.

O filme também explora a rivalidade dinâmica entre Robert The Bruce e Edward I, papel de Billy Howle, em uma narrativa que reflete a complexidade dos jogos de poder da época. Alternando entre momentos de heroísmo e vilania, ambos os personagens proporcionam uma rica tapeçaria de emoções e motivações, emulando a imprevisibilidade dos eventos históricos reais.

“Legítimo Rei” não apenas conta a história de uma figura histórica significativa, mas também mergulha nas intricadas relações entre Escócia e Inglaterra, um tema que encontra ecos em outros períodos da história, como nas narrativas sobre Mary Stuart e Elizabeth I. A coroação de Jaime VI, um descendente de Robert The Bruce, como rei da Inglaterra, serve como um lembrete fascinante de como a história muitas vezes dá voltas inesperadas.

Além disso, o filme aborda temas de liderança e sacrifício, destacando os desafios enfrentados por Robert The Bruce tanto no campo de batalha quanto na esfera pessoal, especialmente em relação ao sequestro de sua esposa, Elizabeth de Burgh, interpretada de forma comovente por Florence Pugh. Esta subtrama acrescenta uma camada de drama pessoal ao contexto político mais amplo, destacando as dificuldades humanas por trás das figuras históricas.

Ao refletir sobre a persistência de estruturas monárquicas e autoritárias ao longo dos séculos, “Legítimo Rei” toca em questões relevantes sobre poder, governança e a natureza cíclica da história. A continuidade da monarquia na Escócia moderna, mesmo sob um verniz democrático, ressoa com a observação de Lampedusa em “O Leopardo”: as coisas precisam mudar para permanecer as mesmas, uma reflexão que continua pertinente séculos após a época de Roberto I.


Filme: Legítimo Rei
Direção: David Mackenzie
Ano: 2018
Gênero: Drama/Ação
Nota: 9/10