Universos Breves, de Francisca Noguerol

Universos Breves, de Francisca Noguerol

Li “Universos Breves — Antologia do Microconto de Língua Espanhola”, organizado por Francisca Noguerol, e confesso que não foi uma leitura breve. Obviamente, a demora não está relacionada ao tamanho do livro, que não é pequeno. Francisca Noguerol realizou uma seleção primorosa de microcontos de 39 autores, apresentando-os em um livro de intensas 242 páginas. Claro que o termo “intenso” refere-se ao resumo histórico e ao esforço em condensar décadas de literatura breve em algumas páginas. E a leitura não foi breve porque muitos textos mereceram releitura.

Um matemático encontraria dificuldades para estabelecer os limites de caracteres que definem os microcontos em relação aos seus vizinhos literários, o nanoconto e o miniconto. Talvez essa definição milimétrica, do número exato de caracteres que determina o intervalo de existência de cada estilo, seja desnecessária. Poderíamos classificar todos como minicontos, sem prejuízo ao entendimento. Segundo um amigo, “O microconto é uma farsa!”, claro que dentro de um contexto muito específico, o de que a qualidade desses textos é rara, mas significativa quando ocorre. “É um triunfo da síntese.” “Se houvesse uma abundância de exemplares de alto nível, os microcontos (e seus parentes de tamanhos variados) já teriam se consolidado como um gênero literário distinto.” Concordo plenamente!

Universos Breves
Universos Breves — Antologia do Microconto de Língua Espanhola (Cobogó, 253 páginas, organização Francisca Noguerol)

Escrever microcontos é um exercício de minimalismo. É a arte de dizer muito com pouquíssimas palavras. Mais do que isso, é contar uma história com início, meio e fim, sem abusar do número de caracteres. Por isso, o microconto emprega o conceito da elaboração de contos em sua máxima expressão. Se para Júlio Cortázar o conto deve ser como uma esfera, perfeito em todos os sentidos, o microconto seria uma metaesfera. Ou seja, além de ter seus significados coesos e indubitáveis, transcende a própria forma gráfica impressa na página.

Em “Universos Breves”, encontramos contos de autores de língua espanhola nascidos no século passado, com influências diversas e estilos distintos. Essa mistura resultou em obras geniais e alguns fracassos retumbantes. Naturalmente, um livro tão heterogêneo encontra-se sujeito a variações na qualidade, reforçando a tese mencionada anteriormente. Destaque para José María Merino (Espanha, 1941), que criou uma sequência única de contos fantásticos, que poderiam figurar facilmente numa coletânea seleta de Borges/Casares/Ocampo como exemplos perfeitos dessa literatura minimalista. Para conhecer, leia: “O homem caminha pela praia solitária e encontra na margem, trazida pelas ondas, uma garrafa de vidro preta, com um sinal muito estranho impresso na tampa. Enquanto a desatarraxa, pensa em suas leituras infantis: o gênio aprisionado, as mensagens dos náufragos. Aberta, a garrafa inicia uma violentíssima inalação, sugando tudo ao seu redor: o homem, a praia, as montanhas, as aldeias, o mar, os veleiros, as ilhas, o céu, as nuvens, o planeta, o sistema solar, a Via Láctea, as galáxias. Em instantes, todo o Universo estava contido na garrafa. O movimento foi tão abrupto que a caneta caiu de minha mão, e todos os meus papéis se espalharam. Recupero a caneta, organizo as folhas e começo a escrever novamente a história do homem que caminha pela praia solitária”. Existem achados criativos intencionais, exercícios de estilo e microcontos com histórias completas, microrromances. Há diálogos inusitados que condensam uma vida inteira em pouquíssimas palavras e debates com argumentos poderosos. “Manicômio”, de Homero Carvalho Oliva (Bolívia, 1957), é um excelente exemplo de síntese e economia de palavras, com cada elemento no lugar certo, servindo ao propósito da escrita mínima: “Neste manicômio vivem muitos hóspedes; sempre que me olho no espelho, vejo todos eles”. É praticamente um nanoconto!

O microconto, elegante, sutil, irônico e eficaz, é, em essência, uma criação cultural. Possui a eficiência de uma fotografia, cuja arte está toda vinculada ao olhar experiente e culto do fotógrafo. É o resultado da aplicação de um aprendizado literário diversificado, com a devida cautela, imbuído no texto. É o caso do microconto de Ibeth Guzmán (República Dominicana, 1983), que, com uma ironia refinada, produziu “Pobre Criminosa”: “Na terça-feira, sem prever o que a esperava, assassinou a segunda-feira de forma vil. A ambição de ser o primeiro dia da semana não lhe permitiu prever que agora ela seria o dia mais odiado do calendário semanal”.

Espero que este texto tenha o tamanho adequado para discutir os microcontos, que, na realidade, não se podem descrever ou criticar, ironicamente, em poucas palavras.


Livro: Universos Breves — Antologia do Microconto de Língua Espanhola
Autor: Organizado por Francisca Noguerol
Tradução: Silvia Massimini Felix
Páginas: 256 páginas
Editora: Cobogó
Nota: 8/10