Tungstênio, de César Vallejo

Tungstênio, de César Vallejo

Li “Tungstênio”, de César Vallejo, e estou, inevitavelmente, sangrando. O poeta abriu as veias de seu país e mostrou uma realidade terrível. Tungstênio fala de ambição e crueldade. Independente do que pensam as religiões, a questão da dignidade é um dos temas mais relevantes entre todos os grandes temas sociais da humanidade. Vallejo, que mistura memória e ficção nesse romance realista, vivenciou os eventos narrados por ele nesse livro.

Cesar Vallejo
Tungstênio, de César Vallejo ( Iluminuras,168 páginas)

Num cenário pré-guerra mundial, a empresa fictícia norte-americana Mining Society explora o tungstênio nas minas da região serrana de Colca, no Peru. O lugar é pobre e atrasado e a ambição dos empresários, somada aos interesses dos políticos e comerciantes locais, faz com que a exploração aconteça para além do metal. Os índios, supostamente ingênuos, são obrigados a trabalhar nas minas como escravos, sob a alegação de que cometeram o crime de deserção. Assim, Vallejo descreve a captura dessas pessoas de maneira cruel e absolutamente brutal.

A reflexão que percebemos, consequência da denuncia feita pelo autor, é um tema caro e antigo. A retirada forçada do índio de seu habitat natural, sob o argumento de que desobedeceu a lei, é uma das coisas mais significativas do texto de Vallejo. Veja, os habitantes primeiros da região, não se interessam ou, ao menos, conhecem as regras estabelecidas pelos governantes que criaram um rigor em função de seus interesses pessoais e em partido da empresa estrangeira que usufrui da riqueza natural de maneira arbitrária e desleal. Episódios sinistros ocorrem sem que a justiça aconteça ou sem que o povo do lugarejo tenha qualquer força para impedir ou protestar. A ruína dessa gente é apresentada de maneira crua e largamente comparada aos grandes episódios de injustiça da história, onde a força daqueles que detém o dinheiro e o poder massacra os frágeis, sem o mínimo de culpa.

Vallejo estabelece personagens emblemáticos em seu curto romance. Individualmente, o autor cita as pessoas. O que torna a fatalidade dos índios ainda pior, pois pessoalmente nos identificamos com seus problemas. Ele não quer que saibamos das dores no atacado. Por exemplo, a governanta Laura que está grávida e não sabe se o filho é de seu patrão ou do irmão dele. Os dois a disputam, possuem e tratam como um animal. Em momentos distintos, ela é estuprada pelos dois: “Laura ficou no chão, chorando. Tentou se levantar, mas não conseguiu. Seu quadril doía, como se estivesse quebrado”. Ou, ainda, a família dos índios soras, presos injustamente e espancados até quase a morte, “Quando amanheceu e o sol começou a esquentar, muitos sentiram sede, mas não deram sequer um pouco de chicha! Nem um gole de pisco! Nem um copo de água! E as famílias? A pobre Paula, grávida! E Santos, tão novo ainda! E taita Nico, que ficou almoçando no curral! Mama Dolores, tão fraca a pobrezinha, e tão boa!” Pontualmente, o leitor é tocado e atraído para o mundo do autor.

Vallejo, em sua prosa, quis alertar a todos sobre a importância de cada alma. Quis implantar a importância da dignidade de cada ser e o cuidado de um humano com outro, que em algum momento e nesse lugar desamparado, e que se repete, por causa do desequilíbrio do poder, fez com que uns explorassem e exterminassem outros em função de uma causa absurdamente individualista.


Livro: Tungstênio
Autor: César Vallejo
Tradução: Jorge Henrique Bastos
Páginas: 168 páginas
Editora: Iluminuras
Nota: 9/10