Na Netflix, desligue o cérebro e assista à história de vampiros mais maluca e bizarra da sua vida Divulgação / SP Media Group

Na Netflix, desligue o cérebro e assista à história de vampiros mais maluca e bizarra da sua vida

Gostemos ou não, o tempo passa, muito rápido, na maior parte das vezes, insuportavelmente devagar, a depender das circunstâncias, e homem nenhum é capaz de fazer nada a respeito, por mais que pense o contrário. Podemos, se tanto controlar o avanço dos anos, dos meses, das semanas, dos dias, das horas, e, sendo bastante franco, seria um tormento dos diabos assistir à marcha da eternidade, tudo sempre se repetindo da mesma forma, igualzinho, num mundo cada vez mais populoso, mais caótico, mais tomado de poluição, calor, hediondez, com a diferença de se ficar sozinho, não reconhecer mais ninguém a sua volta, sentir-se um exilado na própria vida, um prisioneiro de uma ideia de esperança há muito obsoleta.

Vampiros serviriam para reprimir o apetite do homem por reinos que não lhe cabe dominar, eis o argumento de “V para Vingança”, defendido por uma ala dos personagens do filme de Kelly Halihan e atacado por outra, todos eles… vampiros. O texto de Peter Moore Smith e Steven Paul leva às últimas consequências essas vantagens e desvantagens de carregar o sangue, com a licença do trocadilho, a urgência de perpetuar-se, à custa, por óbvio, de muitas almas inocentes. A grande sacada de Smith e Paul é mencionar de pronto que as três criaturinhas lúgubres que protagonizam a história são irmãs adotivas separadas a certa altura, mas que continuam ligadas sabe-se lá por que engenho metafísico — operado ou por Deus ou pelo demônio — na busca por sua verdadeira identidade, cheias de amor e ódio por essa sua condição tão específica.

Alguém tece elucubrações sobre o tempo, mais precisamente sobre o quão desleal ele pode ser, e na sequência, um trio de garotas, uma loira, uma ruiva e uma preta, brinca no pátio do que lembra um orfanato. Halihan esclarece que elas perderam mesmo os pais; no entanto, a casa suntuosa em que moram não é nenhum abrigo para menores, mas um lar. Elas foram adotadas por Brenda, a cientista um tanto obscura vivida por Julie Lynn Mortensen, que, conforme se assiste no segundo ato, desenvolve uma vacina contra uma potencial epidemia de vampiros (!), que pode se alastrar pelo mundo. Enquanto não destrincha a questão, a diretora se atém à bem-disfarçada agonia de Emma, cerca de vinte anos depois, que se expõe à circunstâncias verdadeiramente ultrajantes para matar a fome, como dormir no porta-malas do Dodge Coronet 1970 envenenado, para abrigar-se da luz, descer, trocar de roupa à vista da plateia e fingir que o carrão morreu, esperando que algum incauto pare. Dá certo uma vez, e ela se atraca com um redneck balofo, com direito a golfadas de sangue que ensopam a cabine do sujeito. O

gore fica restrito a esse segmento, mas Jocelyn Hudon continua mostrando que fez o dever de casa, protagonizando cenas de luta irretocavelmente coreografadas, depois que, na segunda tentativa, ela esbarra com Frank, outro caipira pesadão, mas gente fina, de Michael P. Northey. Ela literalmente vira fumaça antes que faça alguma de que vá se arrepender para sempre — e no seu caso, o sempre não acaba — e pouco depois se dá o grande encontro. Scarlett, a irmã ruiva interpretada por Grace Van Dien, a procurava para que juntas elas resgatem a caçula, Kate, a única a conservar sua humanidade, qualidade bastante cobiçada por Thorn, um Poderoso Chefão dos bebedores de sangue, papel de Sean Maguire, parasitando homo sapiens sapiens desde o Império Romano (27 a.C. – 395 d.C.).

O vigor de “V para Vingança” é mesmo a interação entre as três irmãs, com Pauline Dyer desempenhando a função de mediadora entre o mundo dos vivos e a terra na qual Emma e Scarlett já habitam faz algum tempo. O resultado final não exatamente um terror, mas não existe nada de memorável ou original no trabalho de Halihan, embora as cenas de assumido gore na abertura cativem os iniciados. No mais, seu filme é um besteirol bem-feito, embora presunçoso, tétrico e solar. Mas acender uma vela para Deus e outra para o chefe dos vampiros não agrada nenhum dos dois.


Filme: V para Vingança 
Direção: Kelly Halihan
Ano: 2022
Gêneros: Ação/Aventura/Terror
Nota: 7/10