Na Netflix, romance sobre identidade e autodescoberta para quem precisa acreditar em alguma coisa Divulgação / Vertical Entertainment

Na Netflix, romance sobre identidade e autodescoberta para quem precisa acreditar em alguma coisa

Fatos verdadeiramente excepcionais acontecem quando nos contempla a juventude. Nessa etapa singular da vida, momento de descobertas, uma languidez sem nada que a possa aplacar, alegrias pelas coisas mais irrelevantes, desertos de mil solidões que só mesmos podemos atravessar com o cansaço de nossas pernas, estamos vulneráveis aos demônios que fazemos questão de alimentar, e, como se por encanto, um novo raio de sol invade a alma toda trancada e uma promessa de felicidade nos renova.

A vertente de livros e filmes sobre os dissabores e as epifanias de gente naquela fase complexa definida pelo ocaso da adolescência e o princípio da vida adulta torna-se ainda mais robusto com “Nos Vemos em Vênus”, o nome meio tolo do bom filme do espanhol Joaquín Llamas. O trabalho de Llamas nunca deixa de falar ao público-alvo, leia-se muitas moças e alguns rapazes sempre ávidos por se verem representados. O roteiro de Victoria Vinuesa é, claro, pródigo em lances de que só acham graça os tais jovens adultos, terminologia em alta no mercado editorial e na indústria cinematográfica americanos há algum tempo, e se expandindo para a moda, as incorporadoras de pequenos apartamentos, a gastronomia e assim por diante. Contudo, o acabamento estético do longa é de tal maneira bem-cuidado que “Nos Vemos em Vênus” termina sendo uma experiência bastante aprazível.

Um garoto corre por um bosque, volta para casa, cai na piscina de roupa e tudo, e más lembranças assaltam-no. Em algum outro ponto da cidade, uma jovem mulher desperta com o toque do alarme, toma um comprimido e acorda a irmã caçula. Ela pretende fazer uma viagem sozinha e cruza os dedos ao dizer à senhorita Rothswell, a senhorita R vivida pela atriz e diretora Marjorie E. Glantz, que vai realizar uma pesquisa na biblioteca.

Essa contraposição desafetada de Kyle e Mia, os personagens centrais interpretados por Alex Aiono e Virginia Gardner, presta-se a um bom tropo sobre as diferenças de dois indivíduos de idades muito próximas crescidos em conjunturas diametralmente opostas. Embora nunca tenha conhecido luxo ao dividir a atenção da senhorita R com outras crianças, Mia não nutre pela vida grandes mágoas, nem mesmo depois que se descobre portadora de uma doença muito grave, quiçá terminal, uma das razões que impelem-na a se lançar numa aventura até a Espanha, a fim de conhecer a mãe biológica.

Por outro lado, o fausto de uma vida com todas as despesas pagas não tira do mocinho de Aiono a sensação de vazio, em especial depois do acidente de carro que matou Noah e deixou Josh, de Alex Astort-Fabra, acamado, talvez paraplégico. Kyle estava ao volante, e a partir dessa informação, pode-se entender por que ele não tem a menor vontade de aceitar a bolsa de estudos que uma universidade de renome concedera-lhe.

No meio do segundo ato, Kyle e Mia se conhecem, planejam um jantar na praia para assistir a uma tal chuva de meteoros — de que só eles sabem — e entram no mar vestidos, ou seja, estão perdidamente apaixonados um pelo outro. Quando vão dar o primeiro beijo, a garota desmaia, precisa de atendimento médico e somente aí ele toma ciência do grande segredo da namorada. Algumas sequências depois, quando tudo parece ter sido posto em pratos limpos, eles se despacham para a Espanha, onde Mia reencontra sua mãe biológica, uma participação afetiva de Cristina Artacho, apenas com o auxílio da medalha que usa no pescoço, assim mesmo, tudo muito fácil e muito plano, da mesma forma que Kyle exorciza sozinho seus fantasmas, inclusive numa conversa à beira-túmulo que ludibria espectadores mais ingênuos.

Essa objetividade é o grande defeito e o maior predicado de “Nos Vemos em Vênus”: esta é de fato uma história para quem precisa urgentemente acreditar em alguma coisa, até que em algum lugar do universo há de haver quem se importe com o que terráqueos fazemos de nossas lastimáveis existências.


Filme: Nos Vemos em Vênus
Direção: Joaquín Llamas
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Romance
Nota: 7/10