Thriller jurídico com Keanu Reeves, na Netflix, te faz desvendar mistérios como Agatha Christie Divulgação / PalmStar Media

Thriller jurídico com Keanu Reeves, na Netflix, te faz desvendar mistérios como Agatha Christie

Filmes de tribunal, mais do que em qualquer outro subgênero, preservam a aura de mistério graças à lealdade de um público que, ou se identifica com esses enredos quase por dever de ofício ou divaga, pensando algum dia ser chamado a tomar parte no julgamento de uma celebridade que estripa o cônjuge a golpes de machete, situação, no frigir dos ovos, meio tediosa. “Versões de um Crime” transita com orgulho cínico por esse universo, dispondo de um elenco que mitiga-lhe bastante as imperfeições. Diretora bissexta, mas de trabalhos primorosos, Courtney Hunt parece ter decidido manter a carreira de cineasta num banho-maria talvez prolongado demais enquanto toca projetos na tevê, quiçá esperando a inspiração para roteiros como o de “Rio Congelado” (2008), pelo qual Melissa Leo foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz em 2009 — Leo botou as mãos na estatueta dois anos depois, como Melhor Atriz Coadjuvante, por “O Vencedor” (2010), de David O. Russell. Aqui, Hunt tenta voos mais modestos, emplaca algumas cenas, mas repisa uma coleção de clichês, o que, em verdade, é uma armadilha bem difícil de se contornar em tramas dessa natureza.

O maior defeito de “Versões de um Crime” pode ser sua grande qualidade. O texto de Nicholas Kazan emula a vasta obra de estrelas desse segmento como John Grisham e ancora a narrativa na corte em que o evento delituoso do título é julgado. Ramsey, o advogado vivido por Keanu Reeves, defende — ou, melhor, tenta defender — Mike, filho de amigos de muito tempo, da acusação de homicídio contra Boone Lassiter, interpretado por Jim Belushi. Nesse primeiro contato com a história, já se estabelece um conflito que poderia ser desdobrado em várias subtramas; mesmo assim, Hunt prefere antes dar ênfase à informação de que Mike é filho do morto para depois partir para a exploração do outro lado da verdade, menos evidente: o garoto é também filho de Loretta, de Renée Zellweger, uma mulher que suportara abusos por muito tempo, o que, claro, contaminou de modo indelével sua relação com o pai. Mike fora encontrado junto ao cadáver de Boone; há uma impressão palmar compatível com a sua na faca com que o homem foi morto e ele parece já ter confessado tudo, fechando-se num silêncio ruidoso desde então. A diretora lança mão de um flashback perspicaz na tentativa de alcançar possíveis justificativas para o ataque de fúria de Mike, hipótese que vai-se consolidando como a mais provável para o homicídio. Aos poucos, Ramsey elabora um roteiro algo fantasioso acerca do comportamento suspeito das testemunhas, que nunca é totalmente passível de refutação. Auxiliado por Janelle, a advogada-adjunta vivida por Gugu Mbatha-Raw, ele tenta provar que o julgamento está cheio de vícios de origem, e daí surgem algumas reviravoltas no desfecho, sendo a última quase farsesca.

“Versões de um Crime” é coisa para iniciados, e para gente que sabe apreciar a carpintaria da arte dramática. O trabalho de Gabriel Basso comove, redimindo o longa dos cacoetes jurídicos, que justiça se lhe faça, não são uma sua exclusividade. Não obstante, o desperdício de talentos é um problema que Hunt não sabe como evitar, e em sendo assim, falta muito para que exista uma razão que torne este filme de verdade, sem que se esfarele tanto pelo caminho.


Filme: Versões de um Crime
Direção: Courtney Hunt
Ano: 2016
Gêneros: Drama/Thriller
Nota: 7/10