Primeiro filme brasileiro da Netflix acaba de estrear e vai te fazer querer se mudar para a Argentina Divulgação / Netflix

Primeiro filme brasileiro da Netflix acaba de estrear e vai te fazer querer se mudar para a Argentina

Nem todos conseguem usufruir do grande privilégio de, a certa quadra de sua história, encontrar uma razão — ou ser dominado por ela — para mudar radicalmente de vida, como se surpreendido por alguma conta inesperada, que chega num momento em que se pensava de relativa serenidade. Histórias de homens jovens um tanto perdidos, como se em busca de um propósito que justifique o cavalo de pau que precisam dar em sua jornada, num passo rápido e constante rumo ao abismo, não costumam deixar o espectador na mão. A irregularidade do brasileiro “Carga Máxima”, a nova aposta da Netflix em produções de orçamento mediano em se tomando por base a indústria cinematográfica do Brasil (baixo, se o parâmetro for o acervo da plataforma), só pode ser aplacada pela dedicação de seu ator principal. O filme de Tomas Portella, o primeiro genuinamente nacional da gigante do streaming, estreia um nicho que pode vir a ser bastante promissor, malgrado algumas incorreções de origem. Longe de ser um neófito, Portella peca pelo excesso. A mistura de um argumento central refrescante com as arcaicíssimas mazelas nacionais funciona até determinado ponto. É nítida a sensação de que o diretor e seus dois corroteiristas, Leandro Soares e Rodrigo Castellar, também produtor, quiseram abordar o maior número de temas num mesmo trabalho, quiçá receando que o sonho findasse antes da hora — ou para mostrar serviço. Conseguiram, o que não vem a ser de todo eficaz.

Roger Mattos, o piloto de caminhão vivido por Thiago Martins, está cercado. Na abertura, Roger surge ao volante de uma cabine, sem a carroceria, mas em circunstâncias muito distintas das vive em seu dia a dia profissional. Tarimbado, Martins é habilidoso em lidar com a dicotomia moral de seu anti-herói sem entregar o ouro antes do momento propício, e, assim, embora se tenha claro desde o começo para onde o texto vai, ninguém deixa de se surpreender com a maneira fluida como a narrativa corre. Ainda no primeiro ato, fica-se sabendo que Roger caíra em desgraça e agora vale-se de seu talento como motorista para botar em marcha um crime hediondo. Esse é o gancho de que Portella carece a fim de esmiuçar a trajetória do antimocinho até ali, e o faz bem. Sequências em que Roger é mostrado numa corrida em Interlagos, ultrapassando um rival e pronto para, em questão de poucos minutos, tornar-se o líder da competição, concorrem com imagens bem editadas da perseguição num trecho do Rodoanel próximo a São Paulo. Vozes em sua cabeça fazem-no lembrar de Mário, o pai com quem tinha um relacionamento marcado por altos e baixos, participação sucinta, mas brilhante de Orã Figueiredo, e de Rainha, a ex-mulher e também corredora, de Sheron Menezzes. Ao passo que tenta elaborar o conflito que dá substância ao filme, com o Fumaça de Milhem Cortaz monopolizando as atenções, o amor empedernido de Roger e Rainha é uma das fortes molas-mestras da engrenagem que sustenta “Carga Máxima”, porém, lamentavelmente, só sai das sombras na iminência do final, bastante artificioso. Esse é, aliás, outro dos pontos fracos do longa, bem-intencionado, bem-feito, mas que se atreve a abandonar nenhum dos chavões, nem os do gênero e, tanto mais grave, nem os dos filmes pelos quais o Brasil foi ficando conhecido de duas décadas para cá.

Filme: Carga Máxima 
Direção: Tomas Portella
Ano: 2023
Gêneros: Ação/Policial/Drama
Nota: 7/10