O thriller arrepiante na Netflix que vai te levar da tensão à paranoia pura Divulgação / The Picture Company

O thriller arrepiante na Netflix que vai te levar da tensão à paranoia pura

O amor de pais e filhos se manifesta sob as formas mais inusitadas, e tanto mais se paira um segredo qualquer acima das cabeças de pessoas que se querem bem, mesmo que não superem traumas pelos quais ninguém tem responsabilidade, apenas a vida nos desígnios que só ela pode justificar. Essa conturbada relação se faz conhecer justamente nas horas em que a família passa a experimenta seus primeiros infortúnios, e é a partir daí que “Vem Brincar” se move. O terror psicológico de Jacob Chase estende seus tentáculos sobre os laços frágeis de uma mãe com seu filho, um menino com distúrbios cognitivos acossado por um monstro que pode muito bem ser um tropo da influência nefasta de dispositivos, plataformas, redes sociais e até certo desenho animado do fim dos anos 1990 em meio a crianças duplamente vulneráveis. Chase sabe perfeitamente até que ponto esticar a corda, propondo a quem assiste uma outra brincadeira, ainda mais estimulante que a implícita no título.

Oliver, a grande atração no roteiro do diretor, perde-se diante do tablet no qual assiste a “Bob Esponja Calça Quadrada” (1999-2012), as aventuras do porífero mais amado da cultura pop, criadas por Stephen Hillenburg e exibidas pela Nickelodeon. Há uma separação em vista, e da mesma forma que no ótimo “História de um Casamento” (2019), o melodrama em que Noah Baumbach dedica-se a escarafunchar os intestinos de um casal tentando dar fim a uma relação que os machuca, ferindo-se ainda mais, Azhy Robertson está no meio do fogo cruzado, defendendo-se como consegue. O talento precoce e mesmerizante de Robertson, dono de um semblante tão adorável quanto misterioso, já é o bastante para levar o espectador para o olho do furacão. Oliver não fala, mas faz bom uso do aplicativo que lhe permite comunicar-se com a escolha de imagens que reproduzem os vocábulos que constam do menu. Não é bem esse o problema, claro, mas o diretor-roteirista centra na impessoalidade do  aparelho a origem do mal: uma criatura sobrenatural vive dentro dos circuitos, alimentando-se de energia elétrica, ávida por estabelecer contato, abandonar a configuração exclusivamente virtual e tomar o espaço a que Sarah e Marty não conseguem mais fazer justiça. Gillian Jacobs e John Gallagher Jr. tem mostram-se entrosados na pele de dois adultos um tanto perdidos, transmitindo por osmose todo o rancor que nutrem um pelo outro a Oliver, que não tarda a se retrair ainda mais, até que desperte aquela cólera instintiva tão comum nos pequenos, espécie de defesa, de armadura, que protege-lhes do diferente, que sempre parece uma ameaça. Também nesse contexto, Larry, o morador das profundezas da tecnologia e do subconsciente do garoto, vai para cima dos carrascos de seu tutor, momento em que a narrativa degringola para a sucessão de eventos funestos que culmina com uma tragédia.

A fotografia de Maxime Alexandre, vários tons abaixo do tolerável, distancia o filme de Chase de trabalhos semelhantes, a exemplo de “Boa Noite, Mamãe” (2014), de Severin Fiala e Veronika Franz, e engana também noutro aspecto. “Vem Brincar” é só a (magnífica) crônica de uma família que soçobra, como o longa de Baumbach.


Filme: Vem Brincar
Direção: Jacob Chase
Ano: 2020
Gêneros: Terror psicológico/Thriller
Nota: 10/10