Um despertar para a alma, filme na Netflix vai transformar sua visão da vida Divulgação / Titânio Produções

Um despertar para a alma, filme na Netflix vai transformar sua visão da vida

Quando Tiago Arakilian dirigiu seu longa-metragem de estreia “Antes Que Eu Me Esqueça”, o premiado drama do francês de Florian Zeller, protagonizado por sir Anthony Hopkins, “Meu Pai”, ainda não tinha sido lançado nos cinemas, apenas nas salas de teatro. Mas ambos os cineastas tinham ideias, embora talvez não soubessem, bem parecidas sobre o envelhecimento, o Alzheimer, como isso afeta a relação das pessoas que sofrem com a doença com seus familiares e como a família também é impactada por essa condição.

Estimativas da Alzheimer’s Disease International indicam que em todo o mundo cerca de 50 milhões de pessoas sofrem com a doença que não é apenas neurodegenerativa, mas fatal e sem cura. Progressiva, ela acontece quando proteínas mal processadas pelo organismo destroem lenta e inexoravelmente as conexões entre as células do cérebro e, consequentemente, as próprias células, tornando as pessoas cada vez mais incapazes de executar tarefas simples e comuns, se lembrar de memórias de longo e curto prazo, perder a noção temporal e a facilidade de se expressar verbalmente, provocando irritabilidade, desconfiança e confusão.

O estrangeiro “Meu Pai” consegue situar muito bem o espectador dentro do labirinto de sentimentos e emoções que existe na mente de uma pessoa com Alzheimer. Além disso, mostra de forma muito clara e comovente como a relação de Anthony, o protagonista, com sua filha, vivida pela ganhadora do Oscar Olivia Colman, é afetada. Mas voltando para o brasileiro “Antes Que Eu Me Esqueça”, de Arakilian, o ponto de vista da doença é mais externo. Não adentramos tão profundamente na mente do protagonista, Polidoro, aqui brilhantemente vivido por José de Abreu.

Polidoro é um juiz aposentado, que vive em seu luxuoso apartamento de um bairro tradicional do Rio de Janeiro. Altivo e orgulhoso, ele faz questão de que seu nome seja precedido pelo título de “doutor”. Quando ele decide vender um imóvel por um valor abaixo do mercado, além de ter algumas atitudes duvidosas, sua filha, Bia (Letícia Isnard), decide ir à Justiça para interditá-lo.

Nós, assim como seu outro filho, Paulo (Danton Mello), duvidamos das intenções de Bia, que inicialmente parece mais preocupada com o destino de sua herança que com a saúde do pai. Paulo, que não tem contato com o Polidoro há décadas, desde a morte de sua mãe, é forçado a participar da audiência como testemunha. Lá, é acordado que Paulo deve realizar visitas semanais ao pai e que a rotina de Polidoro precisa ser acompanhada pela advogada Maria Pia (Mariana Lima), uma integrante do Ministério Público, antes da decisão.

Durante esse período que precede o julgamento que definirá quanto à competência ou não de Polidoro de viver autonomamente, Paulo se reaproxima do pai. Feridas do passado são reabertas e têm a chance de finalmente passarem por um período de cura. Polidoro compra uma casa de strip-tease e remodela a imagem do estabelecimento ao seu gosto particular: música clássica, atmosfera burlesca, decoração vaudeville e uma vibe “Moulin Rouge”. A moda mais antiquada e elegante do novo local atrai os idosos do velho bairro carioca.

Enquanto isso, revelações sobre o estado mental de Polidoro vêm à tona agora que Paulo está por perto: o pai sofre de Alzheimer e realmente não tem condições de se virar sozinho, como previu Bia. Agora informados desse segredo mantido por dois anos pelo protagonista, nós, público, começamos a compreender as razões de sua filha ser uma personagem que o incomoda tanto. A melancolia da idade também toma conta das emoções de Polidoro, ao mesmo tempo em que a nostalgia da relação anterior à briga toma os pensamentos de Paulo, que sente falta do que já foi o pai. Ele quer recuperar o tempo perdido, mas talvez já seja tarde. Polidoro não é mais o homem que já foi um dia.

Essas reflexões sobre o tempo, a vida e as relações familiares conectam os espectadores ao filme e os comovem. Apesar da qualidade indubitável da obra, seu ponto fraco está nos diálogos: pouco naturais e às vezes bobos demais. Talvez seja contraditório, tendo em vista que a premissa do roteiro é forte. As falas, entretanto, fazem com que o elenco, que é muito bom, faça milagres com suas atuações.


Filme: Antes Que Eu Me Esqueça
Direção: Tiago Arakilian
Ano: 2018
Gênero: Comédia / Drama
Nota: 8/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.