Que a internet chegou para ficar todo mundo sabe. O que nem todos sabem é até onde pode ir o alcance de um mecanismo que se autorregula, fatura proporcionalmente muito mais que qualquer canal de televisão, institui suas próprias regras e vai fazendo um estrago avassalador nas relações trabalhistas como as conhecíamos, num darwinismo de mercado tão revolucionário quanto implacável. Debaixo de toda a loucura de “Swearnet: O Filme” pulsam questões que talvez ninguém jamais responda, e que vão-se acumulando nas cabeças e extravasando pelas bocas, como um vômito amarelo, fétido e inútil, para recorrer a uma imagem do repertório do filme de Warren P. Sonoda. Mike Smith, John Paul Tremblay e Robb Wells, roteiristas e estrelas da barafunda de que resulta um mocumentário ora nonsense, ora instigante, falam de um episódio verídico de retaliação empresarial e censura artística, que os atingiu em cheio, do jeito como fazem melhor. Essa bravura, goste-se ou não, tem sido cada vez mais singular nos veículos de comunicação de massa, seja de que gênero for.
Smith, Tremblay e Wells e mais Patrick Roach, Tom Green e Scott Thompson, o Carrot Top, compõem o Trailer Park Boys, um grupo de humoristas que começou a encontrar portas fechadas em toda parte depois que entidades voltadas a proteção dos direitos humanos no Canadá fecharam o cerco em torno de produções como as deles, repletas de escatologia, menções sexuais, consumo de drogas lícitas e ilícitas e as velhas piadas com fundo racista, xenófobas e de ataque a outras fatias minoritárias da população. Evidentemente, ninguém em pleno gozo de suas faculdades mentais arvora-se em defensor de conteúdos ofensivos ao que quer que seja, o ponto é outro. Já virou carne de vaca o modo politiqueiramente covarde com que certos assuntos são trabalhados por certa imprensa e, claro, por políticos covardes, mas o elenco de “Swearnet” não deixa por menos: parte para cima também do Judiciário, quando a dada altura, alude a catorze processos, num total de 4,5 milhões de dólares canadenses a serem pagos em indenizações. De pouco em pouco, o diretor usa de boa medida de cinismo a fim de dar uma razão para tanto ódio entre a opinião pública, o que torna o cenário ainda mais delirante. No meio do segundo ato, Sonoda pesa a mão nas sequências que justificam o argumento central, com o sexteto firme no objetivo de fundar seu próprio canal de divulgação de conteúdos exclusivos — e totalmente dispensáveis —, quebrando tudo, para êxtase de alguns. A corrida de veículos em Halifax, nordeste canadense, que são obrigados a terminar a pé, culmina na imagem mais repulsiva dos longuíssimos 112 minutos, com Trigger, o velho caolho e amoral de Howard Jerome, recebendo um favor bastante heterodoxo de Smith. Quando barbaridades feito as exibidas em “Swearnet: O Filme” ocupam as manchetes, tem-se a precisa ideia de quão pode ser concordar com Voltaire (1694-1778). Mais que uma conquista, a liberdade é um exercício.
Filme: Swearnet: O Filme
Direção: Warren P. Sonoda
Ano: 2014
Gênero: Comédia
Nota: 7/10