Rir é o melhor remédio: filme que acaba de chegar na Netflix vai curar seu estresse com cenas de ação e humor Divulgação / Netflix

Rir é o melhor remédio: filme que acaba de chegar na Netflix vai curar seu estresse com cenas de ação e humor

Um dos maiores desafios que viver em sociedade implica é descobrir em si mesmo algum predicado misterioso, que só nosso próprio espírito indevassável conhece, e fazê-lo percebido por todos, mas não de qualquer maneira. É preciso que se chegue com humildade — mesmo que tudo não passe da mais grosseira encenação —, com a tranquilidade necessária para convencer quem nos rodeia de que somos, sim, a maravilha que queremos que pensem que somos, sem, contudo, deixar transparecê-lo, e se possível dando a impressão de que não estamos nada interessados no que os outros hão de pensar de nós. É assim que o protagonista de “O Pequeno Roubo do Grande Nunu” se porta na intenção de conseguir o que no fundo deseja, ao cabo de uma jornada de ultrajes, rebaixamentos, ignomínias, tudo como se a etapa inaugural de um plano minucioso com o qual vai, modestamente, alcançando o topo. Em seu primeiro trabalho por trás das câmeras, Andy Kasrils sai de uma premissa despretensiosa e, em pouco mais de hora e meia, apresenta uma trama que cativa pela originalidade e que faz bom uso de um elenco afinado, cujo talento confere uma graça involuntária (e vital) ao roteiro do diretor.

Boa parte do filme de Kasrils move-se em torno do que resta apenas insinuado nas entrelinhas, o que não significa que não se vejam aqui pontos de vista flagrantemente desconfortáveis num e noutro trecho, tudo com um propósito. A foto de uma casa burguesa num porta-retrato, com o clássico “lar, doce lar” fixado no vidro, faz com que o protagonista, interpretado por Jefferson Tshabalala, sonhe com uma vida real. Chamado apenas de Entregador, esse homem amargurado, solitário, infeliz se acha às voltas do conserto de uma certa fechadura, segredo de polichinelo de que o diretor-roteirista se vale para ir esgaravatando os mistérios verdadeiramente cruentos que o enredo guarda, mascarados também por planos-sequência do trânsito em Sgodiphola, cuja população torna-se mais desvalida a cada ano que passa enquanto o restante da África do Sul mantém-se num progresso cadenciado e usufrui de políticas econômicas cada vez sólidas, mas incapazes de dobrar atávicas injustiças sociais. Evidentemente, Kasrils não envereda por aí, embora nunca se furte a tecer comentários entre picantes e graves a respeito de sua terra — e a respeito de problemas que maltratam-na há algum tempo, como se dá em muitos outros rincões do planeta. Milícias, tráfico de drogas, crime organizado, degradação ambiental, as grandes chagas das metrópoles deste tresloucado século 21 vêm à baila na figura de um anti-herói digno de pena, mortificado com o roubo de seu fogão. Esse é o gancho para que entre em cena Punchununu, o Nunu, espécie de pai dos pobres de Sgodiphola, que afiança-lhe socorro, a exemplo do que faz com Oficina, o representante do lumpesinato, personagem de Daniel Hadebe, mas, por óbvio, quer algo em troca.

Tony Miyambo disputa com Tshabalala o posto de estrela de “O Pequeno Roubo do Grande Nunu”, em especial depois do segundo ato, momento em que vão ficando menos claras as diferenças entre Nunu e seu agora funcionário. O tal roubo do título acaba sendo consumado, o Entregador vira o jogo e Kasrils dá um vigoroso passo inicial em sua nova trajetória.


Filme: O Pequeno Roubo do Grande Nunu
Direção: Andy Kasrils
Ano: 2023
Gêneros: Comédia/Ação/Policial
Nota: 8/10