Adil El Arbi e Bilall Fallah, marroquinos-belgas de trinta e poucos anos, certamente têm uma ideia consistente, fundamentada — e pouco lisonjeira — a respeito da polícia, apesar de combaterem em frentes diversas neste “Bad Boys para Sempre”, que despontou dois meses antes que a pandemia de Covid-19 tomasse corações e mentes e lançasse a humanidade num precipício ainda mais fundo de neurose e incerteza. Existe alguma política e muita sociologia nas entrelinhas do filme, o derradeiro do que deveria ser uma trilogia a se analisar o caráter decisivo da epígrafe; contudo, até as pedras da rua já sabem que os acertos entre os diretores, as produtoras e, naturalmente, a dupla de protagonistas são favas contadas e em breve algo como “Bad Boys 4” (ou um nome qualquer que o valha) correrá mundo. A pergunta de um milhão de dólares é: para quê?
Mesmo o arco dramático que se anuncia com injustificado estrépito e delimita o início do terceiro segmento — a única pretensa razão para a sobrevida do enredo em outro filme — resolve-se sem maiores acrobacias narrativas e, admitindo-se ou não, é exatamente isso o que quer o público. A organicidade do texto de Chris Bremmer, Joe Carnahan e Peter Craig, três dos melhores roteiristas do cinema hoje, é sem dúvida a grande responsável por fazer de “Bad Boys para Sempre” uma das produções mais estimulantes do gênero desde que Hollywood é Hollywood, aliada, naturalmente, à fartura de tecnologia de que El Arbi e Fallah dispõem ao longo de 99% dos 124 minutos de projeção. O plano-sequência do alto que esfrega Miami Beach nos nossos olhos durante o prefácio, sacudido pela trilha acelerada, tratam de colocar o espectador no clima. Robrecht Heyvaert e Lorne Balfe trabalham em harmonia até o fim dando cor e som às inúmeras subtramas protagonizadas por Will Smith e Martin Lawrence na pele dos manjadíssimos Mike Lowry e Marcus Burnett, detetives-sênior do Departamento de Polícia de Miami. Tudo segue o curso esperado na vida dos dois: Mike, o personagem de Smith, continua um inveterado festeiro, um solteirão convicto e um casanova sem perdão, enquanto Marcus, a consciência crítica desse estranho casal, acaba de se tornar avô. O talento de Lawrence, que não precisa de muito para malhar as piadas que encerram arroubos de riso involuntário inclusive em lances de tensão feroz, mantém a história ao abrigo de eventuais bocejos, embora seja ele a parte tiozão da dupla. É esse mesmo o ponto em “Bad Boys para Sempre”: conquanto possam se socorrer do bálsamo da experiência, os dois cinquentões, com estilos de vida díspares entre si e atropelados por programas e dispositivos mais e mais modernos e que, portanto, viram sucata rápido, ainda seriam capazes de combater o crime numa metrópole vítima de megacorporações que empregam mão de obra análoga à escrava, traficantes internacionais que cruzam suas fronteiras cada vez mais certos da prosperidade de seus negócios em solo americano e o caos que advém disso tudo?
Os diretores elaboram esses núcleos com brandura, por paradoxal que soe. Cada personagem tem seu momento e ainda que seja muito assunto para pouco mais de duas horas, as incontáveis peças desse imenso mosaico terminam se encaixando. Depois de um passeio rápido pela breve aposentadoria de Marcus, fixando-se com mais tardança na adaptação de Mike a uma tal AMMO, Aliança de Miami: Manobras e Operações, como subordinado de Rita, a investigadora vivida por Paola Nuñez, El Arbi e Fallah colocam-nos juntos outra vez, atuando com o excelente núcleo jovem, à cata de Isabel Aretas, a bandidona de Kate del Castillo que encabeça boas cenas de ação e refresca o filme com o antirromance entre sua personagem, convenientemente apelidada de Bruxa, e Mike.
“Bad Boys para Sempre” fecha do melhor jeito, o que me leva a insistir: para que mais? Felizmente, eu apenas escrevo sobre filmes, não os faço e muito menos preciso vendê-los.
Filme: Bad Boys para Sempre
Direção: Adil El Arbi e Bilall Fallah
Ano: 2020
Gênero: Thriller/Ação/Comédia
Nota: 9/10