Refervem no caldeirão de “As Horas Contigo” alguns dos grandes temas da vida, em especial aqueles que podem levar uma pessoa comum até as raias da loucura, ao menos em se tomando por padrão a questionável sanidade que define as conexões humanas mais superficiais. Quanto aos sentimentos genuinamente profundos, os que não se conformam em submeter-se à frágua que reduz tudo a uma só massa amorfa e malcheirosa que por seu turno rescende à eterna fúria imanente à existência de todos nós em maior ou menor grau — e que domina sem clemência os mais fracos —, esses têm a natureza rara de algo que se quebra e se recompõe desde o princípio dos tempos, apoiando-se na areia colorida da farsa, que vai tragando e perdendo tudo. Catalina Aguilar Mastretta é um dos exemplos da novíssima safra de diretoras latinas que parecem fazer do cinema um excelente meio para que se esmiúcem dramas familiares, sobretudo os que fundam-se em tabus cheios de rincões escuros como a maternidade, que ao misturar-se a outro, ainda mais delicado, pode comprometer quaisquer reflexões minimamente sérias.
Em 2014, Mastretta juntou-se ao time que reúne as também mexicanas Marisa Sistach e Mariana Chenillo, diretoras de “Lluvia de Luna” (2011) e “Paraíso” (2013), respectivamente — que já contava com os espanhóis Ramón Salazar, com “Piedras” (2002), e, claro, Pedro Almodóvar, que dispensa apresentações e cuja obra baseia-se justamente nos conflitos de mães insanas e seus filhos mártires, e vice-versa —, para meter sua colher numa das discussões mais controversas entre as relações humanas, da qual os filmes apropriam-se como se deve: mediante imagens precisas aliadas a diálogos tocantes e incômodos a um só tempo. O ponto de vista assumidamente feminino da diretora, de originalidade quase acintosa, que a certa altura da história iguala o ser mãe ao fim da vida no que essas duas fases da jornada do homem têm de agônicas, para bem e para o mal, de transformadoras, de instigantes, de doloridas, impele a audiência a conclusões nada lisonjeiras acerca de seu comportamento diante das situações em tela — que, por óbvio, comovem menos a fração masculina do público, mas não a absolve. Ema, a própria encarnação do universo almodovariano da natureza essencialmente dialética da mulher, depara-se com dois grandes problemas existenciais de uma só vez, malgrado não possa exercer nenhuma interferência sobre apenas um deles. O medo de se repisar com o filho por nascer os erros da mãe sustenta a personagem de Cassandra Ciangherotti, ótima, mormente quando se dá conta de que a morte da avó, de Isela Vega (1939-2021), é o que a tortura verdadeiramente. As cenas de Ciangherotti e Vega viram rara poesia nas mãos de Mastretta, em especial uma no segundo ato.
Filme: As Horas Contigo
Direção: Catalina Aguilar Mastretta
Ano: 2014
Gênero: Drama/Comédia dramática
Nota: 8/10