O filme mais assistido do mundo na atualidade: último episódio da franquia sniper chegou à Netflix

O filme mais assistido do mundo na atualidade: último episódio da franquia sniper chegou à Netflix

Situações extremas têm o condão de pôr a descoberto a genuína natureza do gênero humano. Nesses cenários em que a vida se nos apresenta da maneira exata como cada um é capaz de suportá-la, os personagens centrais de “O Atirador — O Fim de um Assassino” trafegam com algum desembaraço, até que são colhidos por uma sucessão de novos infortúnios, um mais estimulante que o outro, ideia de que o diretor Kaare Andrews vale-se a fim de dar continuidade à narrativa de um sniper forçado a trocar de papel e sentir o incômodo de estar sob a mira de um batalhão de outros homens também muito diligentes no ofício que o tornou uma lenda viva nas forças de segurança americanas, num movimento em que interesses determinantes para o futuro do país são matéria da decisão de gente muito suspeita. Andrews trabalha o conceito da tortura moral de seu protagonista frente à injusta desconfiança de seus pares redobrando o velho argumento da onipotência desses tipos sem dúvida meio lunáticos, mas (ou por isso mesmo) que conseguem persuadir a audiência de sua alma elevada e seus propósitos humanistas. Homens com tamanho desapego à própria vida — e também capazes de trucidar alguém a metros de distância somente com a flexão de um dedo —, que dependem da precisão mais absoluta para realizar seu trabalho de forma a evitar o dano maior, apresentam, possivelmente, uma tendência a se conformar com mudanças bruscas de perspectiva enquanto planejam retomar o comando, sem garantia de nada, driblando a morte e capturando-lhe as armas que ela mesma dispensa.

Oitava produção da franquia iniciada em 1993, “O Fim de um Assassino” reedita alguns dos lugares-comuns que passaram a gozar de uma espécie de chancela de tudo quanto Hollywood veio a lançar no segmento ao longo das últimas três décadas, sintoma do empobrecimento renitente e gradativo da indústria cultural, sempre disposta a explorar um pouco mais o que funciona sob o ponto de vista mercadológico e esquecer boas apostas. No caso do roteiro de Oliver Thompson, um certo Bruno Díaz, presidente de um país chamado Costa Verde, mantém negócios escusos com o governo dos Estados Unidos, mas posa de grande salvador de sua pátria, inclusive deixando-se flagrar pelas câmeras de emissoras de todo o mundo assinando um pacto para suspender o embargo comercial com a América. Não é necessária qualquer rara genialidade para que atinja-se a conclusão de que Thompson dava a entender que falava da Costa Rica, mas na verdade se referia a Cuba, numa leitura simplista de um dos maiores imbróglios diplomáticos da História, desde 14 de março de 1958 e contando — apesar do enredo mencionar um golpe de estado em 1953. Dentro de um quarto de hotel iluminado por um rosa veludoso, como um pote de cerejas só esperando a primeira mordida, alguém observa todos os passos de Díaz, com Victor Favrin dedicado a emprestar a seu personagem uma relevância qualquer. Quando ele é morto com um tiro certeiro que não se sabe de onde partiu, John Franklin, o agente-sênior do FBI vivido por Lochlyn Munro, alerta sua equipe quanto a cercar o único suspeito que tem a aptidão que tal feito exige, Brandon Beckett.

Chad Michael Collins desembarca na trama ocupando o espaço que fora de Tom Berenger até 2004, ainda que Berenger nunca tenha deixado o elenco — aqui, o veterano aparece como Thomas, o pai de Beckett, e é essa bruma de nostalgia o que constantemente reaviva o interesse do espectador ao longo dos dosados 95 minutos, ajudada por elementos técnicos irretocáveis, como a fotografia de Stirling Bancroft e a trilha composta por Patric Caird. As participações especiais de Sayaka Akimoto e Michael Jonsson como Yuki Mifune e Drake Phoenix, personagens igualmente tortos que se impõem sobre o anti-herói de Collins com intenções opostas, configuram o resultado final de maneira a ser absorvido por plateias mais heterogêneas, mas a seiva de “O Atirador — O Fim de um Assassino” é mesmo o (re)encontro de pai e filho, numa sugestão de que o ciclo, afinal, se encerra. Tomara.


Filme: O Atirador — O Fim de um Assassino
Direção: Kaare Andrews
Ano: 2020
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.