Imagine acordar no corpo de um assassino: descubra o caos na Netflix Divulgação / Universal Studios

Imagine acordar no corpo de um assassino: descubra o caos na Netflix

Enredos que tocam o sobrenatural, tudo aquilo quanto paira um metro acima das nossas cabeças e dota a realidade de tensão e alguma magia, o que não se vê, mas não se pode deixar de sentir, ora fazem brotar do mais escuro do homem suas idiossincrasias menos óbvias e quase luminosas, ora levam-no para os recantos ainda mais sombrios de sua alma, atirando-o a conjunturas tumultuosas, perversas, cheias das revelações que ele mesmo não consegue tolerar. “Freaky — No Corpo de um Assassino”, no entanto, transcende a regra. Flanando pelo terror apenas como pretexto para anunciar outras intenções — quando não faz um excêntrico pacto com a diversão pura e mais antinaturalista, que só mesmo indivíduos de carne, osso e, por óbvio, uma alma construída com sonhos de todas as grandezas compreendemos —, o filme de Christopher Landon está sempre a um passo de desnortear a audiência, que por seu turno não parece assim tão apreensiva quanto a resguardar-se de possíveis decepções, uma vez que Landon construiu uma reputação bastante sólida nesse meio. Houve outras vezes em que o diretor também aventurou-se com sucesso pelo terror festivo, conforme se assiste em “A Morte Te Dá Parabéns” (2017), “A Morte Te Dá Parabéns 2” (2019) e “Fantasma e Cia” (2023), todos muito bem recebidos pela crítica e ainda mais pelo público.

A todo momento, o roteiro de Landon e Michael Kennedy flerta com a ironia, sátira e a metalinguagem. Pela estética de que o diretor lança mão, fica claro que a história é um contraponto, com a medida de humor possível, a muito do que se fez no terror, a começar da primeira imagem, onde se intui que o matador do título age às quartas-feiras, 11, talvez a fim de evitar a concorrência com outros facínoras, monstros, vampiros, lobisomens e que tais. Uma criatura que ninguém ao certo de que maneira definir ronda Blissfield, cidadezinha no sul do Michigan, sem ser visto, matando indiscriminadamente. O carniceiro que destroçou adolescentes nos anos 1990 sumiu desde então, mas a cada dia que passa, fica mais claro que a figura assombrosa que perseguia garotos libertinos volta a ser motivo de preocupação entre a comunidade, até porque terá à disposição um cardápio variado para exercitar seu pseudomoralismo. Este é o assunto na roda em que Isaac, Sandra, Evan e Ginny partilham garrafas e inconfidências, esperando que aquela conversa fiada ao menos renda ocasião para que possam enlaçar as dores dos séculos nos braços uns das outras. Como se adivinhassem — na verdade, parece até que só haviam existido para ansiar por aquele instante —, Isaac, personagem de Nicholas Stargel, é a primeira vítima da curiosidade e da imperícia dos amigos, sobrando também para a Sandra de Emily Holder. A sequência dos dois no porão de casa da família de Ginny, a típica patricinha fútil, negligenciada pelos pais e que sempre tem uma carta na manga para coagir todo mundo a fazer suas vontades, dá início à chacina, e não demora para que Kelly Lamor Wilson e Mitchell Hoog também levem a pior.

No segundo ato, Landon trabalha com mais vagar o argumento do maníaco que tem um gozo quase sexual em trucidar rapazes e moças. Vince Vaughn oscila de um tipo afetado, ridículo… e viril para o um lunático cujo fascínio de verter o sangue alheio é mais forte que ele, tudo com os dois pés no humor macabro, e contando com a ótima parceria de Kathryn Newton.


Filme: Freaky — No Corpo de um Assassino
Direção: Christopher Landon
Ano: 2020
Gêneros: Terror/Comédia
Nota: 8/10