Último filme da franquia Rambo, na Netflix, fará você se contorcer no sofá e não o deixará piscar

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Para alguém que cresceu durante os anos 1980, a palavra “Rambo” funciona como a senha para um portal de outras dimensões. Não havia dia em que as crianças da vizinhança ou da escola não se reunissem para brincar de algo que, mesmo que indiretamente, mencionasse a figura do anti-herói musculoso de Sylvester Stallone. Isso incluía até mesmo personagens coadjuvantes que passavam despercebidos para os adultos, sempre muito preocupados com detalhes entediantes como enredo e mensagens subliminares, muito discutidas na época. Eles certamente não se lembravam do cativante Coronel Samuel Trautman, que era muito popular entre as crianças. Detalhes como esses eram a diversão dos mais jovens, que aproveitavam a oportunidade de encarnar o protagonista em algum momento. Para descansar da correria dos bombardeios de balões d’água e das batalhas com facas de isopor, buscávamos nossos bonecos do Rambo e, claro, do Coronel Trautman, completos com helicóptero e tudo mais. Rambo era tudo que um menino dos anos 1980 queria ser.

Conforme os anos passavam e nós crescíamos, John Rambo também evoluía. Aquele guerrilheiro completamente desajeitado de “Rambo — Programado para Matar” (1982), o primeiro filme da série, dirigido por Ted Kotcheff, deixou de ser apenas um veterano quase anônimo da Guerra do Vietnã (1955-1975) para ganhar contornos emocionais cada vez mais robustos. De prisioneiro e torturado por policiais, argumento muito semelhante ao de “Rambo 2 — A Missão” (1985), dirigido por George P. Cosmatos (1941-2005), que mostra a prisão do personagem em uma penitenciária federal, Rambo deixa para trás a boina verde e adota a faixa vermelha na testa, sua marca registrada por muito tempo. Ele se dirige para o Afeganistão para salvar, claro, o Coronel Trautman, feito refém pelos russos. Com um pouco de exagero, pode-se ter uma noção, ainda que pálida, da escalada dos conflitos entre os Estados Unidos e os países do centro da Ásia a partir do que se vê em “Rambo 3” (1988), de Peter MacDonald. Passadas duas décadas, em “Rambo IV” (2008), financiado pelo próprio Stallone, o personagem-título está na Tailândia, vivendo humildemente do que consegue pescar e das cobras venenosas que captura para vender, até que sua paz é abalada depois que um grupo de missionários que transportava remédios e comida para uma tribo local é sequestrado pelo exército da Birmânia, atualmente Myanmar. Consumido pela culpa, pois ele mesmo havia os levado de um país ao outro, Rambo pega em armas novamente para tentar resgatá-los.

“Rambo: Até o Fim”, de Adrian Grunberg, funciona como a sequência não consecutiva, com a permissão da figura de linguagem, das desventuras do ex-militar eternizado por Stallone. Comum a todas as outras produções da franquia, aqui John Rambo também assume propósitos humanitários, embora sua nova configuração não esteja relacionada aos quatro filmes anteriores. No longa de 2019, Rambo, mais uma vez, passa por momentos de calmaria antes da tormenta que sua vida se torna. Cansado de guerra, o ex-soldado desfruta de momentos de relativa paz de espírito, controlando o estresse pós-traumático por meio de um grande número de pílulas, mas consciente de que a fúria assassina que fervia dentro dele até recentemente só precisa de um bom motivo para voltar a agir. Este motivo está diretamente ligado à sua sobrinha, Gabrielle, interpretada por Yvette Monreal, criada por ele e pela cunhada, Maria, interpretada por Adriana Barraza, irmã de sua falecida esposa. Rambo passa o tempo ocioso cuidando de seus cavalos em um rancho no Arizona, sudoeste dos Estados Unidos, contemplando a vastidão das planícies sentado em sua cadeira de balanço na varanda. Quando Gabrielle, contra a vontade dele, parte em uma jornada suicida para reencontrar no México o pai, Miguel, personagem de Marco De La O, que a abandonou dez anos antes, Rambo cai novamente no nono círculo do inferno. Seus inimigos agora são Victor e Hugo Martinez, interpretados por Oscar Jaenada e Sergio Peris-Mencheta, respectivamente, traficantes de drogas e mulheres que mantêm a garota em cativeiro.

Como era de se esperar, Rambo parte para o resgate da sobrinha, mas é derrotado e escapa da morte por pouco. Ele sobrevive, auxiliado pela jornalista Carmen Delgado, numa participação tanto breve quanto emocionante de Paz Vega, cuja irmã foi brutalmente assassinada pelos Martinez. O protagonista consegue libertar Gabrielle, mas em uma interessante reviravolta no roteiro de Stallone, coescrito por Dan Gordon e Matthew Cirulnick, esse não é o final feliz possível da história, mas sim o início da saga de vingança de Rambo, o justiceiro da América profunda, esquecido pela América oficial. Lembrando muito uma das principais subtramas de “Taxi Driver” (1976), o clássico contemporâneo de Martin Scorsese, este último segmento de “Rambo: Até o Fim” compensa todos os clichês do filme até então, e algo me diz que, agora, sem nada a perder, Rambo pode voltar ao começo, ainda com energia para queimar e muita bala no tambor, para se alistar para lutar em uma das inúmeras guerras que estão ocorrendo pelo mundo. Que os roteiristas de Hollywood leiam este artigo, antes que seja tarde demais.


Filme: Rambo: Até o Fim
Direção: Adrian Grunberg
Ano: 2019
Gêneros: Ação/Faroeste
Nota: 9/10