Meu sonho sempre foi escrever um texto com esse título, parecendo editorial de jornal dos anos 1930. A oportunidade chegou: neste mês, “comemora-se” dez anos das infames “Marchas de Junho” de 2013. Não sou sociólogo, antropólogo ou influencer, mas estava lá e posso palpitar. Além disso, eu adoro uma teoria conspiratória e adoto como lema as sábias palavras de Joseph Heller, autor de “Ardil 22”: “Você pode ser paranoico, mas isso não significa que não estejam tramando contra você”.
Em 2013, tive até a ideia de fazer um documentário chamado “Quem aperta os botões”. O doc não saiu, mas colecionei pistas e evidências que foram incorporadas ao meu “O Livro das Conspirações” (Suma, 2016).
Já vi e ouvi vários analistas refletirem sobre as “jornadas”. Vários, vários. É se aparecer mais algum, vou lá e vejo. Virou obsessão. Mas a maioria dos comentaristas se alicerça em duas convicções que me parecem fantasiosas feito filme da Marvel.
Vamos a elas:
1 — As “marchas” foram uma revolta contra a ineficiência do Estado.
2 — As “marchas” foram resultado de uma ação espontânea das massas.
Olha, na boa, sou um ex-trostskista e, naturalmente, olho com tremenda suspeição para a burocracia. Falo da classe social e não da papelada. Quando se apodera do Estado, a casta do funcionalismo quer apenas pendurar o paletó na cadeira e pegar um cineminha às duas da tarde. Era assim na Rússia stalinista e é assim no Brasil desde as Capitanias Hereditárias. Mas acreditar num levante popular contra a burocracia estatal é o mesmo que imaginar um candidato do Partido Novo como presidente. É irreal.
À Esquerda e à Direita, o Estado agigantado é a panaceia para todos os nossos males. É uma ideologia ambidestra, herança do colonialismo católico e ibérico. Crescimento econômico? Mais estado! Rede de esgoto? Mais estado! Combate à burocracia? Mais estado!
A teoria mil vezes repetida de que as “marchas” foram frutos da percepção de que a vida “melhorou da porta pra dentro, mas piorou da porta pra fora”, não se sustenta. Atribuir os protestos a problemas de “mobilidade urbana” é coisa de quem nunca pegou ônibus. A pretensão pequeno burguesa do “passe livre” serviu de ignição, mas é incapaz de juntar dez pessoas num quebra-quebra.
“O czar é um autocrata que oprime a população e vive como um… bem, como um czar!”
“Ah, mas a mobilidade urbana é ótima. O ônibus para São Petersburgo sai sempre no horário!”
Fala sério.
A segunda fabulação é a da “ação espontânea das massas”. Essa é pior. Nem Mikhail Bakunin acreditava nisso. Perguntem para Maximilien de Robespierre e George Washington se é fácil começar uma revolução. Pode ir lá, eu espero. Não é. Nunca foi. É por isso que gente como Karl Marx, Vladmir Lênin e Che Guevara perderam tempo escrevendo manuais para a insurreição popular.
Uma revolta precisa de organização, método, planejamento e mídia. Muita mídia. Ninguém sai pra rua quebrando tudo “espontaneamente”, especialmente quando a economia vai bem, como era o cenário em 2013. As Fake News já existiam naquele “levante”, assim como os memes em defesa da violência e a antipolítica do “vamos resolver na porrada”. Isso não começou com o Jair Bolsonaro. O ogro é a consequência, não a causa.
A estridência polarizada, o “todos contra todos”, é raiz de todas as desgraças do século 21, mas dá enorme lucro para as novas empresas de mídia (Facebook, Google, Twitter etc). Esse é o problema. As “marchas” foram um flashmob fascista e se alguém entrou nessa por ingenuidade, já passou da hora de pedir desculpas.
Arrisco até o palpite de que a ascensão midiática da extrema direita mundial foi testada primeiro aqui, gente boa. Nós fomos a vanguarda do atraso.
Olhar para 2013 sem romantismo “revolucionário” é um bom começo para encarar os problemas que temos pela frente. E eles são muitos. Viver na ficção é muito agradável, eu sei, mas no caso das “marchas”, é melhor buscar a autoajuda.