Obra-prima do cinema mexicano, com 100% de avaliações positivas, é um dos maiores achados da Netflix Divulgação / KMBO

Obra-prima do cinema mexicano, com 100% de avaliações positivas, é um dos maiores achados da Netflix

Muitas pessoas acreditam que o feminismo tem cumprido seu papel. As mulheres estão mais fortes e independentes, são maioria nas academias, tem alcançado postos de poder e tido espaço para erguer suas vozes. A fotografia parece clara e completa, vista de uma certa distância. Mas não é bem assim que as coisas funcionam na vida prática. Um exemplo disso, é a quantidade gigantesca de casos de feminicídios. Mulheres que são mortas por seus companheiros por ciúme, término, uma briga conjugal qualquer. Embora o discurso empoderador pareça bastante disseminado nas redes sociais, a vida particular de cada mulher esconde os desvios deste ideal.

“O Eterno Feminino” é um filme mexicano de Natalia Beristain que pode decepcionar muitas feministas, especialmente as leitoras de Rosario Castellanos, poetisa mexicana renomada na literatura e figura intelectual progressista, cujo nome aparece quase sempre ao lado de mulheres como Frida Kahlo. Ela, que também foi professora universitária e embaixadora, representou o discurso feminista na década de 1970, além de abordar temas indigenistas e sociais do México, levando as mulheres para a mesa da discussão política.

Sempre vista como imponente, confiante e inabalável, Castellanos era, por debaixo da armadura, uma pessoa comum. O filme de Beristain mostra uma camada contraditória que não gostaríamos de ver, mas que existiu, em alguma proporção, da forma como é retratada em “O Eterno Feminino”.

O filme navega entre duas fases da vida da escritora. Uma delas é durante sua juventude, como estudante universitária que se destaca por seu talento famigerado pela escrita e que chama atenção de um jovem Ricardo Guerra (Pedro de Tavira), um rapaz com aura de aventureiro irresponsável e que logo conquista o coração da sonhadora e sensível Rosario (Tessa La).

Tempos mais tarde, ele reaparece em sua vida, já depois da publicação de “Balún Canán”, seu primeiro romance e obra que a consagrou. É óbvio que Ricardo se sente atraído pelo brilhantismo e intelecto de Rosario (Karina Gidi), agora mais madura e menos ingênua. Mas a mesma luz que atrai Ricardo é a que o deixa ressentido. Embora ele permaneça ao lado de Rosario, usufruindo de seu brilho, ele também tenta a todo momento apagá-lo, como uma mariposa que dá cabeçadas na lâmpada.

Então, o longa-metragem intimista e revelador de Beristain revela a vida particular do casal, algo que a diretora descobriu por meio de cartas trocadas entre os reais Rosario Castellanos e Ricardo Guerra. Os desabafos e desaforos mostram a infernal realidade daquela relação, embebida de assédios morais e violência psicológica e de gênero. Embora fosse casado com uma mulher determinada e talentosa para todos os que os vissem do lado de fora de seu matrimônio, em casa, Guerra tentava reduzí-la a uma mera esposinha do lar, que se calava diante de suas inúmeras traições, e silenciava sua máquina de escrever com o dever sufocante da maternidade.

“O Eterno Feminino” é incômodo e constrangedor, na medida em que revela como a balança das relações conjugais pode ser injusta. Também por mostrar as vulnerabilidades de uma mulher que ao longo dos anos tem sido idealizada e transformada em símbolo de força e resistência. Avassalador, porque revela um pouco de nossas próprias vulnerabilidades também, já que todos somos escravos de nossas emoções e impulsos.


Filme: O Eterno Feminino
Direção: Natalia Beristain
Ano: 2017
Gênero: Biografia/Drama
Nota: 9/10