Uma das mais trágicas histórias de amor do cinema está no Prime Video Divulgação / Nordisk Film Distribution

Uma das mais trágicas histórias de amor do cinema está no Prime Video

O Iluminismo poupou a humanidade de dissabores muito mais funestos do que aqueles com os quais nos confrontamos ainda hoje. Reinos perdidos na imensidão gelada da península da Jutlândia do século 18 parecia o terreno ideal para que florescessem os ideais de Voltaire (1694-1778) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) — o que de fato ocorreu, mas muito lentamente, como, aliás, todas as grandes revoluções na História. Em “O Amante da Rainha”, o dinamarquês Nikolaj Arcel confere natureza épica a algumas das páginas mais herméticas sobre o passado de sua terra, facultando à narrativa enveredar pela política, pela sátira e, claro, pelo romance proibido de uma monarca e um dos raros homens lúcidos a ter atravessado o caminho do rei demente de um povo famélico e cada vez mais indignado.

Os ventos da transformação social que varrem toda a Europa encontram paradeiro na Dinamarca depois de séculos de uma nobreza insensível, que só consegue dominar pela opressão e pelo terror. Naturalmente, a Revolução Francesa, entre 1789 e 1799, teve seu quê de responsabilidade no que veio a se dar na Escandinávia, com a adoção de leis progressistas no que dizia respeito à vassalagem e à exploração da mão de obra escrava, mas o ótimo roteiro de Arcel, Bodil Steensen-Leth e Rasmus Heisterberg volta a 1775, catorze anos antes da eclosão da primeira onda de rebeliões dos desvalidos parisienses, a fim de não deixar qualquer lapso quanto à originalidade e mesmo ao caráter excêntrico do fenômeno que se quer descrever. Como se não fosse o bastante, a narrativa retrocede ainda mais, a 1766, e então o filme começa a adquirir sua forma definitiva.

Aos catorze anos, Caroline Matilde (1751-1775) é a rainha consorte da Dinamarca sem jamais ter deixado os campos da Grã-Bretanha, onde nascera. O diretor é habilidoso em elaborar a solidão da futura mulher mais poderosa da Corte dinamarquesa, investindo em mostrar Caroline sob a constituição que mantinha até aquele momento, uma garota assustadiça, pungentemente lúgubre, que tece perturbadoras reflexões acerca de si mesma e da humanidade em solilóquios com seu cavalo. Ao longo dos 137 minutos, se tem a certeza de que Alicia Vikander não poderia ser escolha mais acertada para o papel; os vários momentos de tristeza da rainha, que parte numa jornada com destino a um país desconhecido e que se lhe mostra especialmente hostil, ainda na introdução, são amenizados pela aura sublime e estoica de uma mártir adiada que a atriz empresta a sua personagem. O encontro com o rei Cristiano 7º (1749-1808), numa encruzilhada, e a metáfora perfeita do que será sua vida a partir desse instante, ainda mais só, mais e mais amarga e sempre à cata de um argumento qualquer, por insano que parecesse, para justificar sua presença na vida daquele estranho. Mikkel Følsgaard, por seu turno, encarna com folga a loucura crescente de Cristiano, e é ela, sua completamente inadequação perante tudo, quem dá azo para o surgimento do protagonista.

Johann Friedrich Struensee (1737-1772), um médico pobre de Altona, colônia dinamarquesa na Alemanha, entra em cena como promessa para a reversão de males sobre os quais ainda hoje sabe-se muito pouco, e, claro, sua misantropia junta ao isolamento de Caroline da maneira mais lírica — e desastrosa. Depois de algum tempo, a grande mágica de “O Amante da Rainha” é acompanhar os embates silenciosos entre Cristiano e seu novo cortesão, com Mads Mikkelsen sempre no ponto. Não é preciso dizer quem sai perdendo, ou é? Caroline, a rainha que ousou amar.


Filme: O Amante da Rainha
Direção: Nikolaj Arcel
Ano: 2012
Gêneros: Drama/Romance
Nota: 9/10