Adaptação de um dos best-seller mais lidos do mundo é o filme mais visto da atualidade no Prime Video Divulgação / Prime Video

Adaptação de um dos best-seller mais lidos do mundo é o filme mais visto da atualidade no Prime Video

É verdade que o amor é bastante draconiano em seus caprichos, mas existem aqueles relacionamentos que desprezam qualquer parâmetro, como se fosse necessário derrubar uma imensa barreira, tão invisível quanto sólida, para que a felicidade pudesse, enfim, instalar-se.  “Minha Culpa”, no fundo, prega a impossibilidade do sentimento amoroso sem conflitos, e ao se decidir por enfronhar-se em nessas questões pantanosas, Domingo González vai longe. Em sua estreia como diretor de um longa, o espanhol faz escolhas acertadas quando se detém nos círculos mais íntimos de seus personagens, mas resvala em equívocos fragorosos ao tentar sugerir modelos de comportamento, tanto pior em se levando em conta que retidão moral definitivamente não é o forte dos tipos a habitar o enredo.

A vida é um mistério e o amor talvez seja o que há de mais inexplicável no mistério da vida. Dois corpos independentes, duas trajetórias muitas vezes opostas, mas que subitamente, como por encanto, convergem numa direção comum, fazendo o que parecia meio gris e sem sentido reviver num espetáculo de cores, fulgor e novas perspectivas. Mesmo que ainda não saiba, é exatamente isso o que Noah busca, sem ter muito claro por onde deve começar, nem quem pode ser o príncipe encantado de seus sonhos inconfessáveis. Enquanto não descobre, urge à mocinha de Nicole Wallace resolver as pendências que ameaçam estorvar-lhe o caminho. Primeiro, ela guarda numa grande mala roxa tudo quanto consegue recolher no quarto cheio de lembranças, algumas boas, outras nem tanto. O texto de González e Mercedes Ron, a autora da trilogia em cujo primeiro volume o filme se baseia, larga pelo caminho pistas o bastante para que a audiência infira que paira uma nuvem de suspeição sobre aquele ambiente, sensação que se agudiza no momento em que Rafaella, a mãe da garota, desembarca na história. Misturando porções generosas de uma vilania involuntária, menos pela própria vontade que por uma certa leviandade que nem tenta esconder, a personagem de Marta Hazas apanha pessoalmente a filha e a carrega para o palacete branco onde mora com o novo marido, William Leister, de Iván Sánchez, repleto de jardins a perder de vista e salas decoradas com fausto, mas sem uma biblioteca. A ojeriza inicial de Noah se dissipa ao admirar a pompa do quarto que a mãe lhe preparara, mas as expressões de Wallace estão sempre às raias do desespero frente a essa nova e confusa realidade, inadequação que se corrobora na sequência e acaba por transformar-se num ódio contido. É a partir dessa nova matéria que o diretor vai elaborar os próximos lances dessa outra jornada de Noah, forçada a partilhar de convescotes com gente soberba e fútil, mas especialmente incomodada com uma emoção que se apossa dela.

Do segundo ato ao desfecho, González burila o envolvimento da personagem central com Nick, o meio-irmão vivido por Gabriel Guevara, também reservando espaço para as elucubrações um pouco mais densas das subtramas encabeçadas por Fran Berenguer na pele de Ronnie, um líder de gangue apresentado como uma espécie de pet exótico dos ricaços. Quanto à participação de Guevara, não resta mais dúvida: “Minha Culpa” é só mais uma reedição de “As Ligações Perigosas” (1782), o romance epistolar do francês Choderlos de Laclos (1741-1803). Recheada de velhas novidades, por óbvio.


Filme: Minha Culpa
Direção: Domingo González
Ano: 2023
Gêneros: Drama
Nota: 7/10