O filme assustador e insano, na Netflix, que te fará uivar para a lua enquanto você se contorce no sofá Divulgação / Columbia Pictures

O filme assustador e insano, na Netflix, que te fará uivar para a lua enquanto você se contorce no sofá

Talvez exista alguma razão além do óbvio para que criaturas do outro mundo, de um mundo pouco mais estranho e quase tão sinistro como o que conhecemos, prefiram lugares escuros e gélidos, como fungos se alastrando por uma cesta de pães. Em se tomando por base esse argumento, “30 Dias de Noite” reproduz o que pode existir de menos original nas tramas protagonizadas por monstros que, admita-se ou não, apenas emulam o lado de sombras e conflitos interiores de mulheres e homens comuns, que não raro terminam em sangue. Contido, David Slade, um obcecado pelo assunto, tempera com suas próprias impressões acerca do horror da vida as histórias que mesmerizam os leitores dos quadrinhos roteirizados por Steve Niles, com ilustrações a cargo de Ben Templesmith. Niles, criador da série homônima publicada pela International Thriller Writers, a ITW, foi indicado ao Eisner Awards, o Oscar dos gibis, na categoria “Melhor Escritor” em 2005, e dois anos depois, “30 Dias de Noite” ganha o cinema, sem nunca conseguir o mesmo alcance. Mas essa não é exatamente uma questão.

Slade mantém a aura nerd dos produtos do ITW e compõe um trabalho sem medo de seu jeito fanfic, mas ninguém sente-se confuso diante da narrativa por não ser um devorador ávido e habitual das páginas de comic books. O texto de Niles, Brian Nelson e Stuart Beattie menciona por diversas vezes que a trama se desenrola em Barrow — o que deixou de fazer sentido há quase sete anos, em outubro de 2016, quando os eleitores da cidade decidiram mediante consulta popular rebatizá-la como Utqiaġvik, “lugar onde as corujas-das-neves são caçadas”, em iñupiaq, a língua dos nativos —, distrito de North Slope, famosa por ser a maior das cidades mais ao norte dos Estados Unidos e uma das mais setentrionais do mundo, ou seja, na esquina com o Círculo Polar Ártico. O outdoor onde se lê o número de habitantes é alterado, de 153 para 152 (na vida real, Utqiaġvik tem, de acordo com as estimativas mais sensatas, 4.581 habitantes), os primeiros indícios de que há algo de suspeito no ar. Isolada no espaço e, ao que parece, no tempo, até a malha rodoviária ignora aquelas lonjuras, e a estrada mais próxima dista 130 quilômetros da rua principal. Um grande problema quando se passa sob o jugo de uma noite que prolonga-se por um reinado de trinta dias no inverno — e, claro, ainda pior frente aos eventos macabros que avizinham-se.

A fotografia de Jo Willems aproveita para empregar todo o branco que consegue no primeiro ato; depois, quando o husky siberano de um morador aparece estraçalhado no quintal, Eben Olemaun, o xerife vivido por Josh Hartnett, tem a certeza de que acontecem em Utqiaġvik mistérios que a vã filosofia do homem não consegue explicar. Slade contrapõe ao elemento sobrenatural os dramas bastante carnais de seu mocinho: há algum tempo, ele amarga a separação de Stella, a ex-mulher interpretada por Melissa George, uma policial que andava por ali a trabalho, esforçando-se por manter segredo e não ser descoberta por Eben. Ainda existe uma ligação qualquer entre esses dois corações ressentidos, obrigados a continuar se esbarrando porque, no deslocamento até o pequeno aeroporto local, Stella bate o carro e acaba perdendo o voo — outro enigma, inexpugnável, aponta para o cancelamento das operações aeronáuticas durante a noite dos trinta dias. Isso é, sem dúvida, o que de fato importa em “30 Dias de Noite”, embora Danny Huston esteja na pele de Marlow, o líder dos mortos-vivos que atacam aqueles rednecks do gelo, entaramelando um idioma arrevesado, quiçá romeno castiço ou uma variação arcaica do dinamarquês, predicados que decerto fariam inveja a Béla Lugosi (1882-1956). Pela derradeira sequência, cujo fundo Slade reprisa em “A Saga Crepúsculo: Eclipse” (2010), não restam mais desconfianças: “30 Dias de Noite” é um filme de amor.


Filme: 30 Dias de Noite
Direção: David Slade
Ano: 2007
Gêneros: Thriller/Terror/Ação
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.