Doce, engraçado e divertido, filme da Netflix vai derreter seu coração

Doce, engraçado e divertido, filme da Netflix vai derreter seu coração

Desde o princípio dos tempos, as mulheres têm de arrumar energia para manejar dramas pessoais enquanto cuidam da carreira, da casa, dos filhos, do marido, até o dia em que precisam resolver se seguem nesse jogo ou tentam uma cartada mais cheia de riscos, e que também as faça se sentir vivas. “Thi Mai — Rumo ao Vietnã” é um jeito bastante feliz que a diretora madrilenha Patricia Ferreira escolhe para falar dos dramas que afligem as mulheres de ontem e de hoje, acrescendo a esse tema central o elemento do imprevisível, que sem dúvida cerca-nos a todos sem ater-se a gênero, porém ainda é muito mais cruel com quem passou séculos a reboque das determinações masculinas. O que este trabalho de Ferreira quer deixar claro, na verdade, é que mulheres continuam frágeis, venturosamente, mas dispõem muito mais daquela força interior que Deus dá a cada um para haver-se com suas próprias questões.

A aposentadoria compulsória de Elvira Goldaracena Imirizalda, aos “quarenta” anos, da diretora de um banco presta-se a um bom começo a fim de que o espectador sinta a temperatura do bom roteiro de Marta Sánchez. Na sequência, a dona de casa Rosa, encarnação da melancolia disfarçada de pacatez, prepara bifes Wellington para filhos veganos, recebe o telefonema de Ìñigo, o marido que não a escuta, interpretado por Antonio Gil Martínez, e, por fim, mais uma ligação, de Elvira, o que estranha, porque não é dia da aula de pilates. Aitana Sánchez-Gijón e Adriana Ozores convencem em papéis que ficam a um fio da caricatura — a executiva vivida por Sánchez-Gijón passa os cem minutos de filme debaixo de terninhos em tons pastéis, o rosto tomado por imensos óculos e uma franja com cada fio no seu devido lugar, ao passo que Rosa além dos vestidinhos floridos, não deixa escapar uma oportunidade de manifestar sua miopia intelectual —, tudo como um prólogo à altura do talento de Carmen Machi. A protagonista de Machi, com quem não por acaso divide o nome, recebe as amigas na loja de ferragens que mantém com o companheiro, Javier, de Pedro Casablanc, e o trio engata numa conversa despretensiosa sobre assuntos nem tão suaves assim, momentos em que Sánchez destila seu apurado feminismo sem militâncias catequísticas, muito organicamente, até que Carmen recebe a pior notícia de sua vida, outra vez por telefone — essa fixação com o invento de Graham Bell cansa, por óbvio, mas não enfraquece o filme em absoluto. As três correm, não para o bar mais próximo, como queriam, e a diretora fecha o primeiro ato de seu filme numa bem conduzida cena em que as emoções mais sinistras cedem espaço para a viagem que pode significar um novo amanhã para a personagem central.

Desse ponto em diante, “Thi Mai” equilibra-se entre a tensão e respiros cômicos dispostos estrategicamente, aprofundando-se em todas as difíceis escolhas que Carmen deverá fazer para manter vivo um sonho. Machi, Sánchez-Gijón e Ozores personificam a balbúrdia, a que Carmen atira-se sem medo, deambulando pelas ruas de Hanói e da Cidade de Ho Chi Minh, até chegar à Baía de Ha Long. Ferreira elabora o desfecho, com a entrada de uma quarta personagem feminina na história, aproveitando para outra vez deslindar a urgência de autonomia de Rosa, Elvira e Carmen, nessa ordem, à qual consegue remeter temas colaterais de igual relevância, com Andrés, o canastrão, gay e solitário, que sem querer vive o personagem de maior destaque de sua vida — de que nunca poderá se gabar e frente a uma plateia tão diminuta que cabe no limite de uma mesa — e Dan, o guia turístico que escuta as barbaridades da tola e ganha o coração da durona. Aos poucos, Dani Rovira e Eric Nguyen oferecem um necessário contraponto à secura verborrágica das três mulheres, roubando a cena mesmo em papéis de menor alcance que os de Martínez e Casablanc.


Filme: Thi Mai — Rumo ao Vietnã
Direção: Patricia Ferreira
Ano: 2017
Gênero: Comédia
Nota: 9/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.