Mulheres já foram submissas sem que isso fosse exatamente um desejo. Hoje, se quiserem, podem continuar a obedecer às determinações dos homens, mas sabem que a qualquer momento a história toma o curso que elas julgarem mais apropriado. Essa é uma das premissas de “Amor com Fetiche”, que dobra a natureza mais óbvia de temas como sexo, amor, perversões, taras e o conceito pouco firme de certo ou errado por trás de todos eles. Visões deterministas sobre assunto tão complexo são particularmente arriscadas; entretanto, a sul-coreana Park Hyun-jin não foge à máxima que categoriza os asiáticos como um povo bastante aberto a inovações de toda ordem. No caso do que se vai tratar em seu filme, segredos de alcova têm o condão de se transformar no escândalo que movimenta o roteiro de Park e Lee Da-hye a partir do segundo ato, voltando a seu andamento romântico, quase pueril, depois que a diretora professa algumas verdades.
Uma garota cruza o imenso saguão do edifício que sedia a empresa em que trabalha. Em meio a tanta gente, Jung Ji-woo, a mocinha interpretada por Seohyun, vai tão só quanto autoconfiante, e enquanto pensa nas infinitas possibilidades da carreira no departamento de Relações Públicas, em franca ascensão, também reflete acerca de polêmicas que pairam muito acima das convenções e do que as pessoas ditas normais têm por hábito relegar aos ambientes mais exclusivos. O texto da diretora e sua co-roteirista estende-se na discussão sobre o que deve ou não conservar sua aura de mistério nas relações — leia-se nas que envolvem o sentimento amoroso, no caso de uma mulher por um homem —, até que fixa-se na subtrama meio óbvia de uma jovem aspirante a executiva desabridamente hostilizada por um chefe misógino, e, como se vai ver, sexualmente reprimido, que atribui-lhe a responsabilidade por tudo que não corresponde a seus planejamentos megalômanos. O desempenho de Seo Hyeon-woo na pele de um homem perigosamente frustrado peca menos por suas boas intervenções que pela opção de Park quanto a priorizar o núcleo encabeçado por Seohyun, que passa a rivalizar pelo posto de estrela com Lee Jun-young, que protagoniza lances entre cômicos e lascivos com a colega — tornando-se cada vez mais improvável a hora em que o filme passe a destrinchar tópicos pertinentes e verdadeiramente espinhosos, a exemplo da paixão recolhida (e jamais manifestada) do coordenador pelo novo membro da equipe).
Um MacGuffin bastante específico dá azo às sequências mais engraçadas de “Amor com Fetiche”, quando Park deixa Seohyun e Lee desimpedidos quanto a levar seus personagens por uma digressão leve, mas relevante, a respeito das formas como cada um alcança o prazer, que pode vir a ser um trampolim para o amor romântico, segundo a diretora. Geralmente, quem manda fora da cama anseia por ser subjugado quando nela, é o que se consegue apreender das cenas em que Ji-woo e Ji-hoo aparecem juntos; esse argumento fica tanto mais claro no instante em que entram em cena um par de sapatos vermelhos de salto agulha, o máximo da erotização feminina, aqui de modo consciente e com propósitos muito nobres.
Filme: Amor com Fetiche
Direção: Park Hyun-jin
Ano: 2022
Gêneros: Comédia romântica
Nota: 8/10