É fácil para quem está de fora especular sobre por que alguém se comporta dessa ou daquela maneira, vive de uma determinada forma ou passa por cima de convenções movido apenas pela crença sincera no que acredita ser o melhor para si. Contudo, poucos são os que mostram-se dispostos a escalar a muralha do preconceito e se imiscuir junto a quem todos consideram como a escória, e esse mérito Mijke de Jong, a diretora de Layla M., pode reivindicar. A seu modo, De Jong se propõe a investigar um fenômeno exótico, mas de vital importância para que se tenham ferramentas mais precisas a fim de se chegar a uma conclusão verdadeiramente reveladora quanto ao fascínio de algumas pessoas por condutas que, além de delituosas, implicam renúncias tão violentas ao que o homem definiu como marcos civilizatórios ao longo da História. E o que se descobre é tão repulsivo quanto insuportavelmente óbvio.
As primeiras sequências já deixam claro que Layla Mourabit é uma garota diferente. No papel de bandeirinha de um jogo de futebol masculino, Layla parece muito mais à vontade que todos os homens que a rodeiam, começando por seu próprio pai, que preferia que ela fizesse o trabalho doméstico, ajudasse no pequeno empório da família e, nas poucas horas vagas, rezasse na mesquita, sempre devidamente coberta. Quanto a isso, nenhum problema, uma vez que mesmo em campo, Layla, interpretação com que Nora El Koussour seduz o público um pouco mais a cada instante, não tira da cabeça o hijab. A condução até então despretensiosa de De Jong começa absorver as tintas do verdadeiro drama de que se quer falar nessa mesma cena, e a diretora explora bem os aspectos menos cômodos de seu roteiro, escrito com Jan Eilander, sempre sob o olhar de crescente indignação de sua protagonista, cuja participação no jogo acaba da pior maneira possível. “Layla M.” vai enveredando para uma análise mordaz das origens da intolerância étnica no continente europeu, minando sistematicamente qualquer ilusão romântica de que a Europa venha a ser a nova terra prometida para muçulmanos de todas as origens, embora a perseguição de militantes de grupos fundamentalistas como o Estado Islâmico aos ditos infiéis não arrefeça em grande parte do Oriente Médio, Iraque e Síria à frente, claro. Em países como a Holanda, onde se desenrola o filme, a política de vigilância e punição a quem toma parte em movimentos terroristas de fundo religioso tem se destacado pelo rigor, malgrado gente como Layla termine por achar brechas para fazer respirar uma ideologia que sobrevive menos por convicção que por ressentimento. Passagens situadas em lances estratégicos do enredo refutam de vez o argumento de que a intolerância árabe contra os tais infiéis — desta feita, os estrangeiros, e mais precisamente os holandeses, que os acolhem em seu país — tenha qualquer organicidade mediante a atitude do pai da anti-heroína, que manifesta o desejo de mandá-la de volta ao Marrocos logo que fica sabendo de suas atividades como membro de uma milícia islâmica. A reação de Layla é o que sustenta o que se passa depois.
O casamento com Abdel, o psicopata fora de controle vivido por Ilias Addab, é a aposta dobrada (e de saída enganosa) que ratifica o caminho inverso à sensatez, com direito ao treinamento jihadista em que os radicais permitem-se fotografar empunhando fuzis, e, por natural, tornam-se alvo da polícia. O desfecho de “Layla M.” é previsível, o que antes de se constituir um possível defeito, apenas reflete a dificuldade de se lidar com um problema que atropela muitas das boas soluções que surgem aqui e ali, quase sempre miseravelmente erradas.
Filme: Layla M.
Direção: Mijke de Jong
Ano: 2016
Gênero: Drama
Nota: 8/10