Breve Segunda Vida de uma Ideia, de Solemar Oliveira

Breve Segunda Vida de uma Ideia, de Solemar Oliveira

Pensei em compará-lo a Jorge Luis Borges e imaginei pretensão demasiada. Pode até ser pretensão, mas não demasiada comparar “Breve Segunda Vida de uma Ideia”, livro de contos de Solemar Oliveira (Editora Novo Século), com a contística borgeana, com um pouco mais de fantasia. Eu fiquei bem impressionado e recomendo, porque tem exímia na literatura dele. São contos muito bem trabalhados, concatenados e que carregam o leitor para histórias lindamente escabrosas, sobretudo bem construídas e com uma linguagem que prende e cativa. Temos aqui um dos livros de contos que tendem a se destacar na literatura brasileira e, se conseguir ousadia suficiente, mundial.

Assim, comecei um comentário nas redes sociais sobre o “Breve”, de Solemar, como primeira impressão. Não é pouca coisa ser inspirado por Borges, que ele cita entre suas preferências no “Preâmbulo magnético explicativo”, introduzindo uma espécie de explicação aos leitores. No entanto, cita outros, entre outros, como preferidos, o que em si encorpa o que deleitamos no amálgama mágico de sua construção: E.T.A. Hoffmann, Humberto de Campos, H.P. Lovercraft, Lygia F. Teles, Silvina Ocampo, Edith Wharton, Edgar Allan Poe.

Breve Segunda Vida de uma Ideia, de Solemar Oliveira
Breve Segunda Vida de uma Ideia, de Solemar Oliveira (Novo Século, 240 páginas)

Nos contos de Solemar nos deparamos com a desestrutura do pensamento comum. E isso não é pouca coisa para quem lida com estruturar (ou desestruturar) histórias para o deleite do leitor.  Ele foge do simplismo, mas não academiciza e o rebuscamento está implícito na aura que envolve personagens e na forma de apresentá-los e fazê-los mover numa teia que se desenrola, atrai, aprisiona, dá voz, enleva e cala fundo em quem se aventura. Tenha certeza, leitor, de que você vai abraçar tropeços, sabendo, por certo, que sem tropeçar ninguém nunca chega a lugar algum.

A começar pelo título, dando margem à existência de várias vidas para as ideias, por demais apropriado para sintetizar o que as histórias contam e descontam, insinuam e tergiversam, acentuam e desconsideram, pontuam e despontuam, dão vida e matam, batem e apascentam. A orelha que a escritora Lêda Selma escreveu é de uma maestria singular e dela aproprio um pedaço porque percebo que espelha a obra: “Narrativas curtas, bem tramadas. Descrições tecidas com fios poéticos ou farpados. Contos fantásticos, em toda a acepção da palavra. Expressivas prosopopeias, hipérboles, sinestesias, malabarismos linguísticos, semânticos, ironias, críticas. O inverossímil quase crível. O místico em conluio com o mito”.

É um livro sinistro, no sentido que essa palavra assumiu no jargão da mocidade de agora. Lovercraft aplaudiria isso. Sem querer morrer, Solemar Oliveira matou o coveiro. E eu, dos enterros, gosto da farra. E ela aconteceu, também, porque o autor ressuscitou uma ideia, que acho terá vidas de gato. Que assim seja. Estamos diante de um portento da literatura, que se abre para o mundo e merece nossa atenção.