O filme brutal e perturbador da Netflix que vai te conduzir ao inferno por 134 minutos

O filme brutal e perturbador da Netflix que vai te conduzir ao inferno por 134 minutos

Ação ambientada em 1945, “Corações de Ferro” é o anacronismo salvo pela gramática do cinema. Um tanque com cinco soldados e comandado por um sargento (Brad Pitt, monstro) reúne as virtudes guerreiras da América no apagar das luzes do grande conflito, como a compensar a participação tardia dos EUA que só entrou depois da surra em Pearl Harbour.

O grupo representa a formação do povo americano, com um hispânico, um evangélico, um jovem pacifista, um psicopata e o líder wasp que fala alemão e lidera com absoluta impiedade.

Para puxar a brasa do roteiro para a sardinha das versões históricas, combinou-se que eles tinham combatido em vários fronts, numa espécie de referência das guerras de Washington em mais de um continente.

A história é verossímil, mas sua credibilidade cede às soluções consagradas da Sétima Arte. O novato que chega para participar de uma ação decisiva e não tem experiência nenhuma é um expediente conhecido. Em “O Resgate do Soldado Ryan”, de Spielberg, e em vários outros filmes, esse é o contraponto conhecido de pôr a prova os valores dos veteranos. É uma representação de quem assiste o filme, como se o espectador fosse iniciado na obra cinematográfica. É zoado, apanha, é forçado a ceder sempre, mas no desfecho acaba sobrevivendo, como nós da plateia, que incorporamos o filme no nosso imaginário e saímos feridos mas nunca mortos.

Permanecer numa posição de resistência suicida diante de um inimigo é lugar comum nos filmes ditos de ação, especialmente faroestes e guerra. O líder fica dando o exemplo e assim conquista o respeito da equipe. Um líder que libera os comandados e diz que não vai fugir é a solução explosiva para o drama. Já que esse é o destino e não há esperança de sobreviver então vamos matar o máximo de inimigos, fazer um estrago antes de ser eliminado. É a missão cumprida com o sacrifício da vida.

Porque não há chance para o amor na guerra. O novato Logan Lehman se apaixona pela jovem alemã que acaba sendo soterrada num bombardeio. O único amor possível é o amor pela nação dividido entre os camaradas do front.

Os americanos encaram o cinema como uma arma de guerra. Fidelizar o país em função da sobrevivência e da hegemonia está em todos os filmes. Não há traição à Pátria e quando ela se manifesta é sempre a mais hedionda vilania.

Para isso é preciso radicalizar. No filme o inimigo são os temíveis SS. O roteiro assim define o alvo bem nítido e sem contestação. Todos os inimigos da América, do Iraque ao Vietnã, do Japão à Coreia, são nazistas. Contra eles a representação do herói moderno — Brad e sua turma — estão dentro do tanque Fury, prontos para matar quem estiver na frente.

Cinema da América é guerra. O público que cuide de sobreviver ao tiroteio. E ao resenhista não cabe tomar partido em qualquer lado da barbárie. Mas ver o cinema em sua essência. Algumas cenas se destacam como a refeição com duas alemãs. Brad é especialista em criar tensão em silêncio, só com sua concentração. Vimos o grande ator em Jesse James também numa refeição. Todos tremem diante de sua crueldade silenciosa, sua busca de respostas sem fazer perguntas.