Novo suspense da Netflix vai mantê-lo acordado, revirando na ponta do sofá do início ao fim Divulgação / Netflix

Novo suspense da Netflix vai mantê-lo acordado, revirando na ponta do sofá do início ao fim

Eiichirô Hasumi faz de “Re/Member” outro desses filmes meio oníricos, em que a vida tem toda a essência do fantástico, transposto para a realidade sem prejuízo da imaginação. A maneira como os asiáticos encaram a vida — sobretudo no que toca a seus aspectos eminentemente sinistros, alheios à normalidade que todos buscamos — decerto é um dos motivos que melhor explicam a inesgotável afinidade dos ocidentais pela pletora de filmes e publicações que nascem naquele pedaço tão distante do mundo e atravessam céus e mares até aportar aqui. No caso de “Karada Sagashi”, o mangá de Weizard com ilustrações de Katsutoshi Murase de que Hasumi lança mão em seu trabalho, o enredo pensado para a linguagem dinâmica das revistas convencionais, fanzines e sites de compartilhamento de animações ganha a tela sem cerimônia e com personagens que abandonam a distância invencível da computação gráfica e passam a dispor de carne, ossos e sentimentos que os aproximam ainda mais do público. É essa a magia que os quadrinhos japoneses não deixam morrer.

Depois de um início promissor, mas um tanto vagaroso, Hasumi começa a explicar o argumento central do roteiro de Harumi Doki em sequências que denotam um terror crescente. O desaparecimento de Haruka, uma garota aparentemente comum, em 12 de agosto de 1947, acaba por reunir Asuka Morisaki e seus colegas de turma em torno do mistério de sua morte brutal. Asuka, a estudante do ensino médio interpretada por Kanna Hashimoto, descobre que Haruka frequentava a mesma escola e a partir desse momento o diretor investe nas cenas em que a protagonista empreende uma verdadeira caçada aos restos mortais de garota — é necessária boa dose de licença poética aqui, sem dúvida —, espalhados pelo colégio. Na esteira da narrativa destacadamente épica dessa perseguição, a fotografia oscila das cores muitos tons abaixo do natural para a vividez característica do gênero, quando também aparece a figura de uma tal Pessoa Vermelha que vira o jogo e torna-se a grande vilã da trama ao submeter os garotos a situações em que têm de reafirmar seu propósito de levar a termo a intenção de reconstituir o cadáver. 

É esse o gancho do texto de Doki para uma sacada pouco inovadora, mas decerto vigorosa, mormente do ponto de vista semântico. Como uma versão sangrenta de “Feitiço do Tempo” (1993), o cult dirigido por Harold Ramis (1944-2014), “Re/Member” trabalha o elemento do fluxo cronológico repisado (ou interrompido) de modo a ressaltar a maldição que vai tomando forma à medida que a personagem de Hashimoto se aproxima do desfecho de suas xeretices e, por uma ou outra razão, fracassa e é forçada a começar tudo do zero. Nas entrelinhas, lê-se a sutilíssima obviedade de não se revirar o que parece morto — ou pelo menos acha-se muito bem enterrado —, lição que adultos nem sempre conseguimos aprender no tempo de uma vida. E adolescentes que se pensam os donos da verdade muito menos. 


Filme: Re/Member
Direção: Eiichirô Hasumi
Ano: 2022
Gêneros: Terror/Mistério
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.