Entre os mais esperados do ano, filme que acabou de chegar à Netflix é um dos favoritos ao Oscar 2023 Rodrigo Jardon / Netflix

Entre os mais esperados do ano, filme que acabou de chegar à Netflix é um dos favoritos ao Oscar 2023

“Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades” não é um filme como qualquer outro. Aliás, Alejandro González Iñárritu não é qualquer diretor de cinema. Ele tem escrito sua história na cinematografia como quem disputa Olimpíadas, sempre procurando quebrar recordes, superar os próprios limites, abrir novo caminhos. O filme tem cenas longas, algumas em plano-sequência, a fotografia de Darius Khondji brinca de com as perspectivas, sempre distorcendo a realidade e criando novos significados na mente do espectador.

Não há exatamente uma ordem cronológica, mas um amontoado caótico de cenas que mais se parecem lembranças e visões do futuro. O longa-metragem segue Silverio Gama (Daniel Giménez Cacho), uma representação do próprio Iñárritu, que conta esta história como se fosse, e é, a sua própria. Com influências de “Mother!”, de Darren Aronosky, que tumultua acontecimentos aparentemente sem nexo, até a fotografia de John Lennon nu na cama com Yoko Ono; de uma compilação de memórias como “Oito e Meio”, de Fellini, até a cena da dança de “Druk — Mais Uma Rodada”, de Thomas Vinterberg. Iñárritu parece também se sentir inspirado por “Birdman”, obra sua com Michael Keaton, quando seu protagonista voa sobre o deserto provocando distorções de sua própria sombra, ora gigante, ora minúscula.

E é assim que Silverio, seu protagonista se sente ao olhar para si mesmo. Ele é um jornalista que se tornou documentarista. Embora ovacionado e considerado uma pessoa influente politicamente e vanguardista em sua profissão, ele foge de participar de um programa de televisão com medo de ser exposto como um impostor. Ao mesmo tempo que se orgulha de seu trabalho e de suas realizações, fato que se comprova quando imagina encontrar seu pai no banheiro dizendo que se orgulha de quem ele se tornou, Silverio também se sente insignificante e tem medo de seus defeitos serem expostos para todos.

Na cena do banheiro, em que encontra o pai, ou imagina conversar com o pai uma última vez, Silverio tem seu corpo transformado no de um menino, como quem ainda busca aprovação e se sente pequeno diante da grandeza e da experiência de vida de seu pai. Como alguém também que ainda não se tornou igualmente adulto ou maduro como seu genitor.

Neste filme, há uma constante sensação de sonho. Não há separação da realidade e da ilusão. Tudo se mistura em um universo surreal, quase uma criação de Salvador Dalí. Iñarritu revisita o luto pela morte do filho, que morreu apenas dois dias após o nascimento. Na história, é Mateo, filho de Silverio e Lucía, que decide não nascer. Ao sair da barriga da mãe, o menino diz ao médico que quer retornar, pois o mundo é um horror. E, assim, como se fosse natural, é novamente enfiado útero adentro.

Mas apesar da metáfora quase infantil, a morte do bebê continua a assombrar a família. Após ser colocado de volta para dentro da mãe, Silverio corta o cordão umbilical e pergunta à esposa como o bebê irá se alimentar. Ela responde que a criança provavelmente irá se alimentar dela e, depois, do pai. E, de fato, ao longo dos anos, é o que ocorre, já que a todo momento eles se sentem apegados ao luto, consumidos pela dor da ausência do filho. Também Camila e Lorenzo, os irmãos, constantemente se sentem presos à lembrança do menino morto.

O filme retorna ao passado histórico do México quando Silverio conta sobre a batalha dos heróis infantis, jovens soldados mexicanos mortos por estadunidenses defendendo o castelo de Chapultepe. Também quando encontra Hernán Cortés, explorador espanhol, que se senta sobre uma montanha de corpos indígenas enquanto discute com Silverio sua missão colonizadora e sua importância histórica, ou não, para o país.

Destaque para a cena em que Silvério dança ao som de David Bowie cantando a capela. Uma atuação fenomenal de Cacho, que parece estar sozinho no meio da pista, embora esteja cercado de figurantes. É como se sua atuação reluzisse junto com os efeitos de iluminação usados pela equipe técnica.

“Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades” busca compreender aspectos da própria vida de Iñárritu, como a sua não superação do luto pela morte do filho, o exílio em um país que colonizou o seu, a autocompreensão como artista e suas inseguranças quanto ao valor do que produz. Na metalinguagem de Iñárritu, Silverio também acaba de lançar uma docuficção que é descrita exatamente como este filme.

Este é seu primeiro longa gravado no México e editado por Iñárritu desde “Amores Perros”. O filme foi gravado em filme 65mm assim como seu outro filme “Biutiful”, com Javier Bardem.  Inscrito para disputar o Oscar de melhor filme internacional em 2023, representando o México, e um dos filmes mais aguardados do ano, “Bardo” foi filmado em 2021, durante a pandemia de Covid-19. Por causa disso, Iñárritu foi alvo de duras críticas e, até mesmo de denúncias de membros da indústria, depois que decidiu por manter as filmagens até sua conclusão, em setembro do ano passado.


Filme: Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades
Direção: Alejandro González Iñárritu
Ano: 2022
Gênero: Drama
Nota: 10/10