Filme chinês de maior bilheteria de 2022 está na Netflix e você não assistiu Divulgação / Netflix

Filme chinês de maior bilheteria de 2022 está na Netflix e você não assistiu

Todos parecem ter claro que à medida que encerram-se tempos marcados por pesar e sacrifício, tem início uma nova fase, de alívio, só para que, uma vez mais, raiem dias de desalento, inconstância, medo, toda sorte de maus sentimentos recolhidos, e a roda dos infortúnios se põe a girar novamente. A vida é uma batalha sem trégua, da qual ninguém pode optar por sair, como sabe qualquer um que se digna a viver do que lhe traz o suor de seu rosto, decisão mais acertada e mais perigosa que alguém pode tomar. Viver é como estar num picadeiro repleto de feras, a exemplo do que se fazia na Roma Antiga em espetáculos que condensavam o patético e o monstruoso, protagonizados por homens banhados de uma aura cinicamente heroica. Heroísmo nenhum pode ser autêntico quando se precisa incorporar um espírito de combate de que não se pode abrir mão, que vai tendo de ser eternamente prolongado sem razão alguma que o justifique. Pode até parecer de um sensacionalismo bastante ordinário, mas esse cenário de dificuldades extremas, que se avultam e nos fazem lutadores involuntários numa arena onde se está para matar ou para morrer, se erige agora e para além deste triste hoje, às custas das medidas e desmedidas de nosso proceder, as mesmas que hão de nos levar a um futuro muito mais incerto do que o mais incerto dos passados.

Histórias que se põem a tentar dizer como será o futuro lançam mão de uma premissa bastante elástica, que faz caber conceitos os mais desabridamente inverossímeis. Jamais poderíamos saber como estaremos num futuro, próximo ou distante, marcado por cenários extremos, de privação de recursos básicos como a água para manter o corpo apto a fazer circular pelo sangue uma carga mínima de vitaminas e sais minerais, e o próprio oxigênio, indispensável à perpetuação de qualquer forma de vida e cada vez mais conspurcado por impurezas de toda ordem, mortífero paradoxo que se converte numa ameaça factual e recorrente. “Exército do Amanhã”, do honconguês Ng Yuen-fai, tem seus méritos. Contudo, a repetição de argumentos já apreciados em circunstâncias anteriores, por filmes de diretores os mais diversos, pouco acrescenta ao cinema, por mais que a computação gráfica assevere um resultado impecável quanto à estética.

O roteiro de Lau Ho-leung e Mak Tin-shu mimetiza algumas produções de sucesso do cinema, como “Impacto Profundo” (1998), dirigido por Mimi Leder, “Independence Day” (1996), de Roland Emmerich, ou o igualmente batido — e reverenciado — “Robocop — O Policial do Futuro” (1987), levado à tela pela primeira vez por Paul Verhoeven, e redivivo outras três vezes, a última quase três décadas depois do longa inicial, pelas mãos do brasileiro José Padilha, em 2017. O que se depreende de imediato em filmes dessa natureza é a invencível preocupação do homem com a ruína da Terra, falsa, por um rol de motivos. O planeta pode sofrer uma enxurrada das mais violentas agressões, e, por óbvio, há de acusar o golpe. Contudo, ao cabo de alguns milhões de anos (ou centena de milhares, o que dá no mesmo), tudo volta ao que era antes, sem a predação humana para colocar tudo a perder mais uma vez. A propósito, nunca li em lugar algum nada a respeito de quanto em danos representa para o meio ambiente a feitura de um produto como “Exército do Amanhã” — ou de “Avatar” (2009), de James Cameron, que volta à carga agora, mais hipócrita do que nunca com seu “Avatar: O Caminho da Água” (2022).

A apropriação de “Avatar” por Ng Yuen-fai — que nem disfarça e menciona uma certa Pandora como uma ideia de refúgio em perigo — são sintomas de um problema complexo de que o cinema está condenado a padecer de tempos em tempos: dinheiro, ou melhor, a falta dele. Nesse quesito, o diretor de “Exército do Amanhã” levou a melhor sobre o colega canadense. Este, no entanto, é um jogo em que todos saem perdendo.


Filme: Exército do Amanhã
Direção: Ng Yuen-fai
Ano: 2022
Gêneros: Ficção científica/Ação/Drama
Nota: 7/10