Filme alucinante na Netflix vai fazer seu coração querer sair pelos olhos, enquanto da um nó em seu cérebro Divulgação / Universal Pictures

Filme alucinante na Netflix vai fazer seu coração querer sair pelos olhos, enquanto da um nó em seu cérebro

Seres humanos só conseguimos nos tornar alguma coisa na medida em que vencemos a resistência dos demais e lhes provamos que somos mesmo o que dizemos ser, ousadia que não se comete impunemente. O homem passa a vida temendo a postura que assume diante de dificuldades que lhe atravancam o prosaico cotidiano, por mais que pense e repense seu proceder, justamente porque sabe que algum dia essa fatura vai chegar e ele há de prestar contas de tudo quanto fez — e tanto mais do que deixou de fazer. Acossado por suas escolhas, apavorado com o que pode resultar delas uma vez que quase nunca é capaz de tomar decisões sensatas, o gênero humano avança no tempo confrontado com um medo do futuro que não raro degenera na paranoia fundada numa insana disputa entre o bem e o mal, conjuntura que o existir lhe apresenta sob a forma de um interminável ir e vir de sensações que beiram o absurdo.

Histórias que se põem a tentar dizer como será o futuro lançam mão de uma premissa bastante elástica, que faz caber conceitos os mais desabridamente inverossímeis. Jamais poderíamos saber como estaremos num futuro, próximo ou distante, marcado por cenários extremos, de privação de recursos básicos como a água para manter o corpo apto a fazer circular pelo sangue uma carga mínima de vitaminas e sais minerais, e o próprio oxigênio, indispensável à perpetuação de qualquer forma de vida e cada vez mais conspurcado por impurezas de toda ordem, mortífero paradoxo que se converte numa ameaça factual e recorrente. Em grande medida, Joseph Kosinski concorda com o cerne da questão proposta pelo ensaísta espanhol Miguel de Unamuno (1864-1936), para quem a vida só seria possível se nos dispuséssemos a sempre esquecer, episódios os mais diversos e em reiteradas situações, o que, como sabemos todos, tem sua aura de grande, de soberbo desafio. “Oblivion” é a história de uma sequência de apagões mnemônicos, em que a estética de que o diretor se vale colabora sobremaneira para a imagem de tempo narrativo fluido que o enredo pede, como se os personagens realmente flutuassem pelo vazio de suas lembranças perdidas.

Alusões à concepção de uma nova humanidade, depois que uma invasão alienígena transformara o planeta numa massa amorfa de areia e fogo, estão presentes desde o primeiro quadro. O roteiro de Kosinski, Karl Gajdusek e Michael Arndt coloca Tom Cruise e Andrea Riseborough numa nave intergalática semelhante a um espermatozoide, pronta para fecundar o ventre infinito do universo, numa tentativa entre desesperada e poética de oferecer alternativa à índole destacadamente autodestrutiva do homo sapiens sapiens. Jack Harper e Victoria Olsen, a Vica, os personagens de Cruise e Riseborough, são descendentes de terráqueos que puderam escapar do massacre promovido pelos extraterrestres (que nunca aparecem, mas certamente não eram adoráveis homenzinhos verdes, com suas antenas brilhantes e uma sofrível voz metálica) em 2017. Passadas seis décadas, eles e os outros poucos felizardos que resistiram ao racionamento de comida e outros insumos se viram compelidos a mudar para Titã, a maior lua de Saturno, e se conformam com o status de escravizados de alguma civilização que povoa áreas desconhecidas da Via Láctea.

Kosinski se empenha por entregar um filme minimamente reflexivo, mas falhas semânticas bombardeiam a trama de inconsistências lógicas que devem ser apontadas. Não me parece razoável que num tempo de pronunciada carência de serviços os mais elementares, Harper se dê ao luxo de levar horas num banho — não, não há nenhuma nudez desnecessária, pelo menos isso. Sendo menos ranzinza e mais profundo, o encontro com Julia, interpretada por Olga Kurylenko, resta meio nebuloso — sabe-se que ele a vê em seus sonhos, de onde se infere que já se conhecessem e que essa nova etapa insinua que voltarão à Terra, que fora extinta. Por fim, Beech e Sally, de Morgan Freeman e Melissa Leo, aportam ao caos de “Oblivion” sem nenhuma função prática, só para constar. Isso, sim, é um apocalipse de verdade.


Filme: Oblivion
Direção: Joseph Kosinski
Ano: 2013
Gêneros: Ficção científica/Ação
Nota: 7/10