Novo filme da Netflix é o mais visto da atualidade em 90 países (e você, talvez, tenha não assistido) Francisco Munoz / Netflix

Novo filme da Netflix é o mais visto da atualidade em 90 países (e você, talvez, tenha não assistido)

Nas raras vezes em que conseguimos esquecer, pelo espaço de um instante que seja, as muitas comodidades da vida pós-moderna e nos voltamos para o que pode haver de mais trivial na essência de cada um, encontramos no mais fundo de nosso espírito algumas das respostas pelas quais procurávamos há muito tempo, quiçá desde que abrimos os olhos para a luz do mundo. Essa busca, ora insana, ora de uma racionalidade assombrosa, até parece a caminhada errante do último poeta, perdido em suas vãs quimeras, saboreando o gosto do beijo de um anjo enquanto atravessa o arco-íris, sequioso de seu quinhão de ouro. O homem, como se sabe, só deseja o que não pode ter, e mesmo quando parece muito perto de atingir o que almeja, sempre consegue achar um jeito de deitar tudo ao chão e arruinar suas próprias ilusões, como uma profissão de fé no malogro, como se não pudesse viver maravilhado, entorpecido com a possibilidade de ser feliz, de reconhecer-se um mecanismo da Criação dotado de falhas, sim, mas pleno de seus gloriosos mistérios, justamente aqueles que o fazem tão rico e tão único graças a suas sublimes imperfeições. 

Quiçá o homem não possa mesmo ser feliz, por falta de empenho ou de vocação. A despeito das inconsistências morais do gênero humano, a natureza, de que também nós somos parte, quer apenas emitir seus rugidos, tão alto que possam despertar-nos do torpor em que comodamente nos refugiamos quando florestas velhas como o mundo ardem em fornos clandestinos ou vão para o assoalho das mansões de ricaços pouco ignorantes; uma nova espécie passa a integrar a já vasta lista dos animais em extinção; o solo racha de sede porque o calor inclemente não permite a formação de nuvens de chuva e a posterior precipitação da salvadora água; ou quando a própria água adoece, pela ação do homem e do que chama de progresso, mas que se vale de expedientes arcaicos e comprovadamente inócuos e perigosos, ao ambiente e ao próprio homem, rápido em sacar desculpas as mais esfarrapadas para justificar sua desídia.

O norueguês Roar Uthaug parece ter se decidido a explorar um nicho para o qual não havia atentado ainda. Lançando mão do folclore pouco conhecido para além de sua Noruega natal, “O Troll da Montanha” tem a urgência de um grito de socorro da Terra, encarnado por uma criatura monstruosa, mas que ataca muito mais para se defender. O roteiro de Uthaug e Espen Aukan, num primeiro momento, pode até privilegiar a diversão gratuita de um público habituado a consumir esse tipo de narrativa a fim de desopilar a tensão — e até hoje são pouquíssimos os que reparam na mensagem sociofilosófica de obras como “King Kong” e “Godzilla” —, mas a mão firme do diretor leva a história para onde ela quer ir desde o princípio. A paleobióloga Nora Tideman, interpretada por Ine Marie Wilman, faz a descoberta cuja importância tem lhe tirado o sono há anos: o fóssil de um dinossauro sobre o qual cientistas do mundo todo vêm travando acaloradas e infrutíferas discussões. Uthaug prepara o terreno para a guinada a que pretende submeter o enredo incluindo a implosão de uma área da montanha em que as equipes trabalham, e a partir desse ponto, o ser antropomórfico e horripilante, colosso de pedras e líquen mencionado no título passa a dominar a trama.

Para tentar desvendar a verdadeira identidade da fera libertada da rocha, Nora recorre ao pai, Tobias, não exatamente um modelo de correção moral, tampouco de saúde psiquiátrica. O personagem de Gard B. Eidsvold preenche a cota dos tipos excêntricos em filmes eminentemente austeros, quase herméticos, mas o desenvolvimento desse arco, na medida, é fundamental para o que se vê na compreensão do mote central, com direito a uma bela sequência em que o troll se mostra mais sensível que muita gente.


Filme: O Troll da Montanha
Direção: Roar Uthaug
Ano: 2022
Gêneros: Terror/Ação/Suspense
Nota: 8/10