A comédia mais sábia e inteligente que você verá em anos está na Netflix e você não assistiu Divulgação / STX Entertainment

A comédia mais sábia e inteligente que você verá em anos está na Netflix e você não assistiu

Ter toda sorte de problemas, dos que tocam a nossa própria biologia aos mais severos, quando nos parece impossível adequar-se a qualquer sistema baseado num padrão de condutas e regras, é um verdadeiro clássico daquele calvário interior chamado adolescência. Nessa fase ingrata da vida, especialmente penosa, quase tudo nos fede a uma conspiração dos astros contra nossos sonhos mais róseos — ainda que eles, coitados, sigam pela eternidade orbitando no sem-fim do universo, indiferentes a nossos pleitos e nossas agonias. Sentimo-nos perigosamente sós, implorando num silêncio atroador pela compaixão de alguém, desde que não sejam nossos pais, criaturas pré-históricas que não entendem de coisa alguma e que têm o curioso dom de nos aborrecer até a medula com suas verdades, inarredáveis e translúcidas. A orientação de pais atentos, privilégio de que nem todos gozam na quadra da vida em que dela precisam desesperadamente, evita uma porção de aborrecimentos que teimam em se insinuar a certa altura, às vezes tolos, mas às vezes um tormento que massacra uma família inteira sem hesitar.

A adolescência é quase sempre marcada por transformações profundas na vida de um indivíduo, fatos que se sucedem numa espiral que traga pessoas e momentos para o olho de um furacão de sensações do qual nem sempre escapamos ilesos. Naturalmente é possível evitar perdas desnecessárias, contudo, é uma tarefa inglória empenhar corpo e alma em projetos cujo sucesso será apenas parcial e efêmero, porque essa também é a natureza do problema. A adolescência, como todas as demais etapas da vida, passa; o que nos resta é tomar um fôlego longo, mergulhar fundo e tentar absorver de cada experiência o máximo de sabedoria, porque, como as adversidades, ela também está em todos os lugares. Kelly Fremon Craig vai dando algumas pistas quanto ao que o público pode esperar de “Quase 18” (2020), e seu trunfo é certo. Em maior ou menor intensidade, todos nos sentimos em casa diante de uma história que decerto já vivemos e que por mais dolorosa que possa ter sido, guarda também passagens dignas de serem revisitadas uma ou outra vez, apreciadas sob um novo olhar e entendidas por um ponto de vista mais sereno.

Hailee Steinfeld ancora o roteiro de Craig da única maneira que um bom ator faz: capturando o interesse da audiência sempre que pode, chamando para si o encargo de dar à trama o destaque de que ela necessita, especialmente, claro nos primeiros minutos. Na pele de Nadine, Steinfeld, indicada ao Oscar pela versão de “True Grit” dirigida pelos irmãos Coen em 2010, exibe um desempenho cujas precisão e maturidade cativam de imediato, o que poderia ser um obstáculo razoavelmente incômodo frente à infantilidade meio caricata da protagonista. A diretora-roteirista trabalha esse argumento de maneira a deixar claro que a tortura a ser atravessada por quem tem a infelicidade de partilhar a vida com Nadine é mesmo transitória, mas, enquanto não vem a bonança, a garota lança a mãe, Mona, vivida por Kyra Sedgwick, e Darian, o irmão mais velho, de Blake Jenner, num mar proceloso durante uma tempestade perfeita. Numa abertura um tanto prolixa, Craig introduz o pai, Tom, interpretado por Eric Keenleyside, que deixa a história de maneira traumática, baque que talvez — talvez — explique as barbaridades que passam a definir o comportamento da personagem de Steinfeld. No próximo segmento, aparece Krista, a melhor amiga encarnada por Haley Lu Richardson com quem Nadine vai viver o confronto que dá azo ao filme. Por estranho que possa soar, Richardson, injustamente, não recebe o destaque que a sinopse insinua. O enredo é dominado pelo talento irradiante de Steinfeld, cuja performance se equipara a de veteranos como Woody Harrelson, a quem não faz concessões.

Craig tenta incluir um envolvimento romântico qualquer entre Nadine e Erwin, o nerd boa-praça de Hayden Szeto, mas o feitiço vira contra a feiticeira. O filme torna-se meio pálido nessas sequências, e poderia ter se alongado no conflito geracional de Nadine e Mona, clássico que não se esgota. “Quase 18” se sustenta, todavia, na graça de Hailee Steinfeld, uma rebelde com todas as causas.


Filme: Quase 18
Direção: Kelly Fremon Craig
Ano: 2020
Gêneros: Comédia/Coming-of-age
Nota: 8/10