Com diálogos raivosos, trágico e bruto, filme ganhador do Oscar, na Netflix, é um soco no estômago David Lee / Paramount Pictures

Com diálogos raivosos, trágico e bruto, filme ganhador do Oscar, na Netflix, é um soco no estômago

August Wilson adotou o sobrenome da mãe faxineira porque o pai, padeiro alemão, era ausente. Ganhou o Pulitzer em 1989 com uma de suas celebradas peças sobre personagens negros na América: “Fences” (Cercas), onde um pai frustrado e louco expulsa o filho de casa e trai a esposa com quem vive há 18 anos, que acaba adotando a filha que ele fez na amante.

Denzel Washington, diretor de “Um Limite Entre Nós” (Fences, 2016) manteve os diálogos, mas não é teatro filmado, é puro cinema. Foi indicado ao Oscar de melhor filme e de ator principal, mas não levou. Quem levou foi sua companheira no projeto, a impressionante Viola Davis, que ganhou o de atriz coadjuvante.

Ator realizado de primeira grandeza, Denzel rompe a barreira que separa intérprete de diretor. A cerca que está sendo construída pelo pai e o filho por insistência da esposa, ao mesmo tempo impede a invasão e protege os moradores. Impõe limites em favor da família, que não são respeitados pelo surtado ex-jogador de baseball, em eterno conflito com tudo. A cerca não é suficiente para manter a harmonia e a perenidade do relacionamento. A monotonia do compromisso e da fidelidade conjugal empurra todos para o impasse e a tragédia, que apesar de tudo não se revela irreversível. Há humanidade na cerca, os limites respiram. E o drama focado na performance dos atores e o poder dos diálogos força uma abertura para cima, num movimento que se livra da raiva e pousa na doçura.

Filme emocionante, de competente arquitetura nos cenários antigos e que filma o rodízio das almas perdidas nos limites da Sétima Arte. Sem cortinas nem pano de fundo. O que o filme mostra não é Pittsburg ou anos 1950, mas sim o próprio filme num ambiente de terra arrasada. Um filme de guerra não conseguiria ser mais contundente. É um Apocalipse anunciado pelo irmão louco que ergue os braços dobrados em forma de asas de um anjo louco e desesperado, a tocar uma trombeta que abre as nuvens e solta os cães da perdição.


Filme: Um Limite Entre Nós
Direção: Denzel Washington
Ano: 2016
Gênero: Drama
Nota: 9/10