Filme alucinante na Netflix não vai te deixar piscar por 103 minutos Divulgação / Metropolitan FilmExport

Filme alucinante na Netflix não vai te deixar piscar por 103 minutos

Ao passo que a vida não obedece a parâmetros de nenhuma espécie, não se furta a subverter suas próprias regras e deixa estupefato o mais cínico dos homens com seus caprichos, tal como uma velha de maus bofes quando se decide por atazanar quem lhe negara um favor há muito tempo, o crime não vem perdurando desde que o mundo é mundo se não por um apego doido ao método, sem o qual não seria mais que barbárie e já teria consumido todas as almas que se lhe atravessassem o caminho. A banalidade do mal, como conceituara a filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975), por óbvio, não há de esgotar-se nunca, uma vez que é parte da natureza mesma do ser humano; contudo, sobra-lhe muito espaço para associar à maldade em estado bruto os expedientes que elevam a violência essencial que existe em cada um de nós o refinado mecanismo que permite que condutas delituosas sejam praticadas não apenas na calada da noite e contra do cidadão comum, quase sempre pego desprevenido e sem muita noção sobre o que fazer para se blindar de delinquentes pé-de-chinelo ou de infratores celebrizados pela inteligência muito acima da média.

À essa audácia dos bandidos se contrapôs a obstinação do Estado em se modernizar e se aparelhar devidamente, na tentativa de arrostar o crime de igual para igual. Evidentemente, equipamentos e sistemas de vigilância e fiscalização modernos jamais poderiam surtir o efeito desejado caso a polícia não contasse com um capital humano à altura de tanto arrojo cibernético. Policiais destemidos fazem toda a diferença no dia a dia de uma terra que se queira próspera e honrada, malgrado às vezes sejam um tanto apaixonados demais. Philip G. Atwell se socorre desse pressuposto para elaborar o mote de “Rogue, o Assassino” (2007), conto entre o farsesco e o cru sobre instituições que lutam para vencer a degradação que o crime representa, vigorosa a tal ponto que derruba até aqueles que empenham sua intimidade e sua própria existência para combatê-la. No filme, a abnegação da polícia vem personificada na figura de um tira correto e furioso, inconformado com uma perda. Até que tudo começa a ficar estranhamente ambíguo.

O texto de Gregory J. Bradley e Lee Anthony Smith se alicerça em dois símbolos do cinema macho para fazer a história decolar. A pancadaria empreendida pelo britânico Jason Statham e o chinês Jet Li, que replicam em “Rogue, o Assassino” o sucesso de “O Confronto” (2001), onde foram dirigidos por James Wong, chega no momento exato, depois de precedida por um prólogo breve, em que o diretor trata de familiarizar o público com o conflito a ser deslindado. Bradley e Smith dividem o filme em dois tomos, sendo o primeiro monopolizado pelo carisma de Statham no personagem de sempre: o policial brucutu e boa-praça cada vez mais convencido de que escolhera mesmo a carreira mais apropriada a seu temperamento estourado e sua ânsia por tentar melar o jogo dos donos do submundo, ainda que isso venha a ser pouco mais que o colibri esgrimindo contra um tigre faminto. Atwell supera as expectativas tirando de um argumento batido uma abordagem surpreendente quando começa a burilar ângulos menos evidentes de seu protagonista. Jack Crawford, o anti-herói vivido por Statham, é destacado para chefiar uma operação que visa a prender gângsteres da Yakuza, a temida máfia japonesa, empenhada em debelar a penetração da Tríade, chinesa, sua rival imediata. Até esse ponto, nada acontece de tão extraordinário que mereça muita atenção do espectador, e o pulo do gato é mirar a relação de Crawford e um de seus subordinados, Tom Lone, de Terry Chen, com quem mantém uma amizade próxima. Pouco depois, o enredo avança para o evento que determina a condução da história até o desfecho, momento em que Lone sai de cena e começa a despontar a figura do personagem-título. Jet Li compete com Statham pelo posto de estrela do filme — rixa que a participação de Luis Guzmán como Benny, o ex-policial que envereda por atividades mais lucrativas e menos decorosas, obnubila um tanto —, até que os contornos dos dois homens vão ficando meio borrados. É quando Atwell saca da cartola a subtrama que explica algumas das incongruências de “Rogue, o Assassino”, e joga por terra o que vinha erigindo até então.


Filme: Rogue, o Assassino
Direção: Philip G. Atwell
Ano: 2007
Gêneros: Policial/Ação/Aventura
Nota: 8/10