Filme com Angelina Jolie na Netfix não te deixará piscar enquanto seu coração sai pela boca

Filme com Angelina Jolie na Netfix não te deixará piscar enquanto seu coração sai pela boca

Os instantes muito particulares de dor, de angústia, de solidão de cada homem sobre a face da Terra fazem-no mais senhor de si, mais conhecedor de sua alma e da força invencível que nela existe. Impedimentos são uma constante, mas enfrentá-los não é para qualquer um. A jornada do homem sobre a Terra é plena de surpresas, eventos inesperados que o colhem, trazendo em seu bojo ora prazer, ora situações infaustas, e mesmo sabendo de tudo isso, não deixamos nunca de esperar pelos inesperados da vida, ansiando, por óbvio, que nos sejam doces. Todos nos vemos em palpos de aranha de vez em quando — alguns mais do que outros. Em que pese viver numa sociedade extremamente violenta, num mundo cada vez mais individualista em que valores antes fundamentais a fim de se primar pela boa convivência restam completamente distorcidos e superados, enfrentamos toda sorte de problemas. O sentimento de fracasso é, sem sombra de dúvida, um dos venenos mais mortíferos para a vaidosa alma do homem. O convívio em sociedade torna ainda mais profundas as muitas diferenças a nos distanciar, segregando as criaturas em dois grandes conjuntos, vencedores e fracassados, que, claro, comunicam-se entre si de quando em quando. Fracassar é um só jeito torto de admitir novas possibilidades.

Refletindo a própria vida, o cinema também dispõe de seus fracassados, e justamente esses costumam ser os personagens que mais despertam o interesse do espectador. O cazaque Timur Bekmambetov registra as façanhas de um homem enganado pelo destino em “O Procurado” (2008), história decerto invulgar com direito a uma merecida virada nonsense que salva seu carismático protagonista da irrelevância e da desonra. Baseado na história em quadrinhos de Mark Millar e J.G. Jones, o roteiro de Chris Morgan, Derek Haas e Michael Brandt acompanha o cotidiano nada estimulante de Wesley Gibson, o gerente de contabilidade vivido por James McAvoy. A cada dia mais frustrado, Gibson é o retrato de um homem sistemicamente infeliz. Seu descontentamento com tudo quanto diz respeito a sua vida, a começar do trabalho desgastante e quase mecânico que lhe rendeu uma ansiedade crônica, só amansada com doses cavalares de um ansiolítico poderoso, só não é maior que a aversão a Janice, a chefe gorda e megera interpretada por Lorna Scott, reprodução de estereótipos surrados, mas que Bekmambetov torna toleráveis e mesmo bastante divertidos graças aos enquadramentos em contra-plongeé e moção em câmera lenta. O que se esclarece aos poucos é que a dor essencial de Gibson remete a uma tragédia, ocorrida há muitos anos, mas que ele não é capaz de esquecer.

A sorte começa a virar para o personagem de McAvoy quando Fox, uma mulher tão linda quanto misteriosa, o surpreende num bar e não sossega até que ele concorde em acompanhá-la à sede da Fraternidade, uma congregação secreta que reúne assassinos com poderes sobre-humanos especializados em matar facínoras. Fox, de uma Angelina Jolie ainda por repetir o desempenho sem par visto em “Garota, Interrompida” (1999), de James Mangold — filme pelo qual venceu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 2000 —, o apresenta a Sloan, o decano do grupo vivido por Morgan Freeman. Nesse ponto, o diretor começa a incrementar o lado fantástico de seu filme com o uso progressivo dos efeitos especiais comandados por Michael Ahasay, que se alastram na tela sem muito método (devem estar em, no mínimo, 90% dos 109 minutos de projeção). O personagem de Freeman, uma espécie de mago, encafuado numa imensa biblioteca e patologicamente recluso, já personificaria o caráter hiperfísico que Bekmambetov deseja imprimir a seu trabalho, sendo algo farsesca a menção exagerada ao tear instalado em seu escritório, metáfora sobre a vida de cada pessoa sendo tecida por Nona, uma das entidades divinas da mitologia grega que junto com suas irmãs, Décima e Morta, conduz a vida dos homens. 

“O Procurado” é uma boa história, mas perde um tanto o ritmo do segundo para o terceiro ato, justamente por causa dessas inserções pseudossofisticadas, soltas no enredo. McAvoy e Jolie, nessa ordem, conseguem manter o filme quente e lá em cima, até o desfecho já esperado.


Filme: O Procurado
Direção: Timur Bekmambetov
Ano: 2008
Gêneros: Thriller/Crime/Ação 
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.