Novo filme da Netflix, com Jamie Foxx, é diversão garantida, por 133 minutos, para seu final de semana Parrish Lewis / Netflix

Novo filme da Netflix, com Jamie Foxx, é diversão garantida, por 133 minutos, para seu final de semana

Ganhar a vida nem sempre é prazeroso. Levantar cedo; se arrumar; escolher uma roupa nem tão discreta que vá deixá-lo invisível para os demais — e muitas vezes até para si mesmo — nem chamativa em excesso, a ponto de fazê-lo se tornar o centro das atenções; tomar condução cheia; ter de se relacionar com colegas em nada semelhantes a nós, inseguros, invejosos, que não raro só demonstram alguma serenidade quando também falhamos são etapas de uma maratona diária que perde a cabeça de muita gente. Bom mesmo seria ter a oportunidade de unir, em todas as ocasiões, o gosto pelo trabalho e uma rotina que declina do tédio e eleva a razão ao propor atividades que dão se desdobram movidas a um entusiasmo incomparável, tão fundamental que faz da vida a experiência transformadora a que todos deveriam ter acesso, a despeito de ganhar muito ou pouco, trabalhar de sol a sol ou com folgas inesperadas.

O protagonista de “Dupla Jornada” é o que se pode chamar de funcionário-padrão ao desenvolver duas atividades em paralelo, ainda que uma sirva para dar a outra a necessária aura de mistério. Estreia do supervisor de dublês J.J. Perry na direção, este é um filme que preza pela irregularidade, pelo nonsense, tudo muito bem dosado, com uma medida de caos para além do recomendável. História sem espaço para as tantas convenções de hábito, Perry faz de seu filme uma comédia ágil, que se concentra na caça a vampiros quase sempre bonitos, bem-sucedidos, bronzeados, por um homem negro de meia-idade num casamento instável, correndo contra o relógio a fim de proporcionar à filha as boas condições de que ele mesmo não desfrutou. Tantas particularidades, tanto ineditismo na exposição de um personagem cujo carisma enche a tela só poderiam mesmo redundar numa história em que as poucas reviravoltas, efetivamente, nem importam muito, mas acompanhar cada passo desse anti-herói torna-se logo o passaporte para instantes de diversão sem grandes pruridos morais, embora o diretor ache lugar para erigir comentários filosóficos, sobre o amor, o desamor, a luta pela sobrevivência, o convívio com o diferente. 

O roteiro de Shay Hatten e Tyler Tice trabalha bem essa agonia do personagem central, quase um pária ao reconhecer que vive de livrar o mundo de um tipo muito singular de escória, que grassa no vale de São Fernando, noroeste de Los Angeles. Bud Jablonski, interpretado por um Jamie Foxx atento às especificidades do protagonista, trabalha como limpador de piscina durante o dia e caçador de vampiros à noite, daí o título. Por esse motivo, as escapadelas na calada da noite foram se tornando praxe, e à ascensão no árduo ofício se contrapôs a ruína do casamento com Jocelyn, de Meagan Good, que apesar de visivelmente ressentida, nunca o impediu de visitar Paige, a filha do casal vivida por Zion Broadnax. Entre uma e outra sequência de enfrentamento com as criaturas sobrenaturais que infestam essa região da Califórnia — com destaque para a que abre o enredo, que fisga a audiência de vez até o desfecho, quase duas horas depois —, Jablonski encontra tempo para manter em dia seu vínculo com a menina, muito mais compreensiva que a mãe. Foxx e Broadnax dão vida a passagens calorosas em “Dupla Jornada”, tornadas ainda mais vívidas pela fotografia de Toby Oliver. Uma vez que tem se bater com a líder dos vampiros de Tetiana Gaidar, passa a contar com a parceria de Big John Elliott, inexplicavelmente destinado a Snoop Dogg, e Seth, o nerd bonito e atrapalhado de Dave Franco, clichê, mas producente.

Para além da pancadaria ancorada em seres de outro mundo sequiosos por dominar os vivos, o trabalho de J.J. Perry vem a ser uma boa fábula sobre a importância da família, chefiadas por homens bem-intencionados em seu intuito de não deixar que nada falte aos filhos, e faltando eles mesmos. O final, com a merecida promessa de redenção para esse salvador anônimo da humanidade, deixa uma ótima impressão da história.


Filme: Dupla Jornada
Direção: J.J. Perry
Ano: 2022
Gêneros: Ação/Terror/Comédia
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.