O terrorismo vem arreganhando os dentes de maneira mais incisiva desde o fatídico episódio descortinado em 11 de setembro de 2001, tão conhecido quanto repudiado pela comunidade internacional, mas que, com certa dose de razão, conduz o público a opiniões nada serenas. Quanto mais se conhece acerca do que efetivamente aconteceu nos desdobramentos do maior ataque à soberania americana em seu próprio território, mais aumenta a certeza de que, embora necessária, a resposta institucional aos atentados, como já se conjecturava que pudesse acontecer, derivou para abusos de toda ordem, inclusive contra civis, cenário cuja ignomínia pode muito bem ser comparada à das ofensivas patrocinadas pelo terror. A questão assumiu o status de um grande fla-flu, em que vence esse campeonato macabro aquele que puder carregar nas costas o maior número de cadáveres, troféu que atesta uma vitória insana contra os valores civilizatórios. Democracias ocidentais ao redor do mundo foram obrigadas a reconhecer suas fraquezas, ao passo que crescia a instabilidade de países tradicionalmente fortes. O tema exigia ser analisado a fundo.
Em muitas ocasiões, foi por meio da guerra que a humanidade conheceu seus grandes heróis, homens e mulheres que se tornaram personalidades graças a um desempenho de coragem memorável ao longo de uma série de enfrentamentos entre exércitos. Contudo, parece que o homem se viciou no cheiro de pólvora queimada e no ruído do aço dos canhões ainda estalando e prefere abdicar da diplomacia e resolver suas diferenças valendo-se da força quando uma boa conversa trataria de evitar um banho de sangue que, não raro, começa por causa de um prosaico mal-entendido. A ONU bem que tenta, mas o fardo é penoso, mesmo para ela. A guerra é, em muitas ocasiões, o último — e único — recurso, mas cobra seu preço. O cinema entendeu isso desde sempre e continua a produzir filmes que demonstram que a humanidade não escapa impune a confrontos que implicam a perda de tantas vidas. Nem sempre é possível determinar em que momento uma ofensiva militar adquire a natureza de um imperativo para que se faça respeitar a dignidade de uma nação e é ainda mais complexo definir em que pode dar a interferência de um governo sobre outro, ações drásticas e intrinsecamente ligadas a um conflito bélico.
Uma das cineastas mais meticulosas e aclamadas de Hollywood, Kathryn Bigelow faz de “A Hora Mais Escura” (2012) um retrato preciso da sucessão de instabilidade e pânico em que os Estados Unidos mergulharam desde o 11 de Setembro. Conscientemente ou não, Bigelow concentra boa parte da ação sobre uma personagem feminina, que encarna como poucos a paranoia, o medo, o ferido orgulho americano, que nunca conseguiu restabelecer sua inteireza. Da mesma forma que a diretora deixa claro que este é um filme de autor, onde sua visão de mundo se faz perceber em cada um dos muitos detalhes, a dada altura do roteiro de Mark Boal é Jessica Chastain quem chama para si todas as atenções com a performance que lhe valeu uma merecida indicação ao Oscar de Melhor Atriz, só conquistado uma década depois com “Os Olhos de Tammy Faye (2021), dirigido por Michael Showalter. Maya, a protagonista de Chastain, materializa por meio de expressões muito fortes e um trabalho de corpo isento de retoques o que fez com que se deslocasse para o Paquistão à cata de Osama bin Laden, líder e patrocinador da Al Qaeda, facção que reivindicou a autoria da barbárie desde o primeiro momento.
O texto de Boal, continuação protocolar de “Guerra ao Terror” (2008) — que arrebatou de um só golpe os Oscars de Melhor Filme e Melhor Diretor, além de mais quatro prêmios —, é um sobe e desce de tensão que nem sempre funciona, mas que quando engata deve a ignição a Chastain. A atriz consegue com relativa facilidade destacar o temperamento obsessivo de Maya, a ponto da história se tornar uma elucubração acerca da loucura que ameaça dominar a personagem e ofuscar o restante do elenco e a própria trama. Bigelow extrai essa versatilidade de Chastain e dá a seu filme a personalidade que caracteriza sua obra, e ninguém mais se interessa pelo que pode haver de factual no enredo, uma vez que os jornais se encarregaram de tudo à farta. O pulo do gato de “A Hora Mais Escura” é depositar em Maya todas as humanas fraquezas, como se ela personificasse os desígnios do homem diante de um cenário de adversidade. Maya vence, mas a um custo inestimável.
Filme: A Hora Mais Escura
Direção: Kathryn Bigelow
Ano: 2012
Gêneros: Guerra/Thriller
Nota: 9/10