Escolhas pouco diligentes implicam consequências irremediáveis — quando não francamente trágicas —, mesmo que se tenha todo o tempo do mundo. A juventude constitui um tempo mágico para a maior parte das pessoas, pleno de descobertas, de revoluções internas pequenas e grandes, mas também (ou por isso mesmo) de erros que podem impactar e definir uma história para sempre. A ânsia por moldar as circunstâncias a seu modo e a seu gosto, recusando-se a aceitar o pouco que a vida oferece, malgrado esse pouco seja o justo, pode se trabalhada ou como a grande oportunidade de virar o jogo e encontrar a saída para as questões-chave que invariavelmente degringolam em problemas de vulto, ou como, ao contrário, a desculpa perfeita para se colocar em marcha ideias que também hão de se transformar numa espiral de novas complicações. O plano de três jovens perdidos de uma cidade arruinada parece a única alternativa para livrá-los de uma vida sem nenhuma perspectiva digna desse nome, mas, sem muita surpresa, o que se vê é justamente o contrário.
“O Homem nas Trevas” (2016) é um filme de suspense com muitos dos tantos lugares-comuns do gênero, até que o diretor Fede Alvarez, decide se aprofundar no que virá a ser a própria essência da história. O uruguaio parte de premissas elementares para conferir a seu trabalho a aura de mistério que o caracteriza, até que o roteiro, coescrito com Rodo Sayagues, incorpora suas particularidades e se estrutura como um enredo primorosamente original, com os toques de gênio que o distinguem da massa grossa de produções afins. A jornada de Alvarez rumo ao disputado Olimpo dos cineastas queridinhos de Hollywood se dá de maneira cautelosa e progressiva, a mais eficiente. Foi a partir do aclamado curta “Ataque de Pânico” (2009), em que robôs investem contra Montevidéu, que o diretor-roteirista se cacifou junto aos grandes do mercado cinematográfico e, em 2013, dirigiu “A Morte do Demônio”, produzido por Sam Raimi. Com “O Homem nas Trevas”, segundo longa-metragem do diretor, Alvarez mostra que está cada vez mais afiado, em cenas com a medida exata de suspense.
A história abre com um breve registro dos delitos de uma pequena quadrilha que age nos subúrbios ricos de Detroit, construção provocativamente oximorônica e acidamente bem-humorada. Sofrendo uma escalada de pauperização sem trégua desde 2013, quando a prefeitura decretou a falência oficial da maior cidade de Michigan, essas regiões, vastas e desertas, passaram a abrigar os últimos milionários da era de ouro do centro-oeste americano. Rocky, a anti-heroína de Jane Levy; o namorado Money, o líder do bando vivido por Daniel Zovatto; e Alex, sem dúvida o mais deslocado entre esses três tipos sem lugar no mundo, interpretado por Dylan Minnette, têm se provado bem-sucedido em invadir e saquear casas, mas eles já estão cansados desses expedientes sem muito planejamento, mas que também não traz o retorno que consideram adequado. Por uma dessas coincidências só vistas no ramerrão da vida real, Money fica sabendo que nas imediações vive um homem, cego, idoso e sozinho, que dizem guardar a polpuda indenização pela morte da filha, num acidente de carro passados alguns anos, dentro de um cofre. Nada poderia ser mais apropriado para um possível desfecho na carreira de delinquências do trio.
Alvarez pincela algumas informações a fim de dar profundidade na composição de seus protagonistas centrais. Rocky é a filha mais velha de uma família desestruturada, sem pai, com uma mãe bêbada morando com um projeto de vigarista, e topa a empreitada do namorado não exatamente por uma malcontida vontade de amealhar um dinheiro fácil, mas na intenção de salvar a irmã caçula de uma vida miserável como tem sido a sua. Já o homem nas trevas do título, performance brilhante de Stephen Lang, além de padecer de uma dor lancinante, que esconde mágoas a serem reveladas, é um veterano de guerra — impossível não associá-lo, em certa medida, ao Walt Kowalski de Clint Eastwood em “Gran Torino” (2008) —, e americanos desenvolvem uma simpatia gratuita por essas figuras. Depois do jogo de gato e rato dos personagens de Levy e Lang, é chegada a hora de Rocky enfrentar a vítima mais resistente com que um grupo de vagabundos amadores poderia esbarrar. Momento em que o diretor sobrepõe a grande reviravolta da trama, e vilã e mocinho calçam uma os sapatos do outro.
Filme: O Homem nas Trevas
Direção: Fede Alvarez
Ano: 2016
Gêneros: Terror/Thriller
Nota: 9/10